Em “A Incrível História de Adaline”, Lee Toland Krieger transforma um conceito improvável — o de uma mulher presa à juventude eterna — em um drama sobre a passagem do tempo, a solidão e a necessidade de se reinventar. Blake Lively interpreta Adaline Bowman, nascida no início do século XX e vítima de um acidente que interrompe seu processo de envelhecimento. A partir desse evento extraordinário, o filme constrói uma linha de vida interrompida, uma existência que se move por décadas, mas sem mudar de rosto. Ao seu redor, o mundo envelhece, as cidades se transformam, e as pessoas desaparecem. Adaline permanece, observadora de uma história que já não a reconhece.
A decisão de Krieger é filmar essa fantasia com uma seriedade delicada. A fotografia, em tons amarelados e frios, reforça a distância temporal de uma mulher fora de época. A cada década, Adaline precisa mudar de nome, cidade, identidade. O roteiro evita o espetáculo da ficção científica e se aproxima do romance clássico: o milagre é só o ponto de partida para uma vida em fuga constante. A ausência de envelhecimento, longe de um dom, torna-se uma maldição. O filme se ancora nessa inversão: o que parece privilégio revela-se prisão.
Blake Lively compõe Adaline com uma contenção precisa. Sua beleza não é o centro da história, mas o símbolo do fardo que carrega. Há um gesto recorrente — o olhar que hesita antes de se entregar a qualquer afeto — que define a personagem melhor que qualquer fala. Michiel Huisman surge como Ellis, o homem que desperta nela a vontade de permanecer, de arriscar a estabilidade. A relação entre os dois serve como força motriz para o conflito central: amar implica aceitar o envelhecimento, e Adaline, ao amar novamente, precisa encarar a própria condição como um erro a ser desfeito.
O filme se organiza por pequenos marcos temporais. Cada novo vínculo de Adaline é interrompido pela necessidade de desaparecer antes que alguém perceba o segredo. Essa repetição de fuga cria uma espécie de ritmo hipnótico, em que o tempo avança, mas a vida dela se repete. Krieger filma essas passagens com elegância, sem pressa, apostando na continuidade entre passado e presente. Há uma cena em que Adaline percorre uma biblioteca moderna, rodeada de telas e painéis digitais, e seu olhar traduz uma espécie de exílio silencioso: ela está ali, mas pertence a outro século.
A direção evita o sentimentalismo excessivo, mesmo quando o roteiro se aproxima do melodrama. Harrison Ford, no papel de um homem do passado de Adaline, surge como um espelho doloroso do tempo que ela tentou negar. Sua presença envelhecida contrasta com o rosto intacto de Lively e produz um choque visual que vale mais que qualquer explicação científica. É nesse encontro que o filme atinge seu ponto de maior risco dramático: o confronto entre a eternidade e o arrependimento humano.
O tom romântico nunca se dissocia do tom fantástico. Krieger entende que o sobrenatural aqui não é feito de monstros nem de feitiços, mas de lembranças que não passam. A trilha sonora suave e o enquadramento clássico lembram romances antigos, onde o tempo era medido por gestos e olhares, não por cronômetros. A montagem acompanha esse espírito: fluida, quase imperceptível, conectando décadas sem transições bruscas. A voz em off, discreta, acrescenta um verniz de conto moral, sem carregar o texto de explicações. Tudo é apresentado como se fosse um relato oral, passado de geração em geração — o que combina perfeitamente com a natureza mitológica da protagonista.
Há também um comentário sutil sobre identidade e memória. Adaline não apenas muda de nome; muda de registro civil, de sotaque, de vizinhança. Cada nova persona é uma tentativa de escapar de si mesma. No entanto, o que a prende é justamente a lembrança: as fotografias guardadas, os livros lidos, as datas que ela não pode esquecer. O filme encontra força nesses pequenos gestos. Quando Adaline observa casais idosos de mãos dadas ou escuta uma música antiga, a câmera insiste em permanecer em seu rosto. O silêncio dela diz mais sobre o tempo do que qualquer efeito visual.
Se o roteiro, em alguns momentos, se aproxima de uma conveniência narrativa — especialmente na resolução —, Krieger compensa com a coerência emocional. A lógica interna é simples: o amor e o tempo são incompatíveis quando um deles para de correr. A fábula, então, se converte em uma reflexão sobre finitude. O eterno, parece dizer o filme, só tem sentido quando pode acabar.
Do ponto de vista técnico, a fotografia de David Lanzenberg é crucial. A luz muda sutilmente conforme as décadas, e os contrastes entre interiores e exteriores acentuam o isolamento da protagonista. O figurino, cuidadosamente anacrônico, marca a presença de Adaline em cada época sem torná-la caricata. Esses detalhes sustentam o clima de suspensão temporal, essencial para que o público aceite a premissa fantástica sem ruído. É um mundo reconhecível, mas ligeiramente fora de sincronia, como um relógio antigo que ainda funciona, porém com outro ritmo.
O final, sem revelar detalhes, devolve à personagem a escolha que ela evitou por um século: viver implica mudar, e mudar implica perder. Krieger encerra o filme com serenidade, sem grandes gestos, apenas com a constatação de que a beleza da existência está na passagem. “A Incrível História de Adaline” é, no fundo, um conto sobre o poder de envelhecer — e sobre o privilégio de ter uma vida que se move. Entre o romance e a fantasia, o filme encontra seu equilíbrio na nostalgia: o tempo pode ser cruel, mas é ele que nos faz humanos.
★★★★★★★★★★




