A história que consolidou Tom Hanks, mudou seu destino no cinema, valeu sua primeira indicação ao Oscar e agora chegou à Netflix Divulgação / Twentieth Century Fox

A história que consolidou Tom Hanks, mudou seu destino no cinema, valeu sua primeira indicação ao Oscar e agora chegou à Netflix

Um menino de subúrbio, sufocado por regras domésticas e humilhações ocasionais nos parques de diversão, decide que ser adulto resolveria tudo. Em “Quero Ser Grande”, Tom Hanks assume o corpo desse garoto crescido de um dia para o outro, enquanto Elizabeth Perkins e Robert Loggia orbitam o novo mundo que se abre para ele sob a direção de Penny Marshall. O conflito central está em como uma mente infantil lida com responsabilidades, desejos e relações que exigem maturidade constante.

O deslocamento começa quando Josh deixa o quarto apertado, os pais alarmados e a escola para se esconder em Nova York, convencido de que precisa provar que consegue sobreviver sozinho. A decisão de sair de casa nasce do medo de ser descoberto e da curiosidade diante da liberdade repentina. O obstáculo imediato é material, porque não há dinheiro nem documentos suficientes, e o efeito é um mergulho forçado em pensões baratas, empregos improvisados e rotina de adaptação apressada.

Quando ele descobre a fábrica de brinquedos e tenta um emprego qualquer, guiado mais pelo encanto pelos produtos do que por estratégia, a narrativa fixa a rota principal. Josh decide se aproximar daquele universo porque ali os adultos são pagos para brincar. A motivação é simples, quase infantil, mas entra em choque com o departamento de desenvolvimento de produtos, repleto de executivos desconfiados. O obstáculo institucional, que o enxerga como funcionário sem currículo, acaba produzindo um efeito inesperado: o olhar fresco do personagem influencia decisões de mercado e abre portas rápidas demais.

A partir do momento em que o protagonista aceita um apartamento próprio, móveis novos e um salário confortável, a história desloca o eixo da sobrevivência para a tentação de permanecer naquele corpo. Cada sofá comprado é uma pequena decisão a favor da vida adulta. A motivação deixa de ser apenas sobreviver e passa a incluir prestígio e reconhecimento. O obstáculo é o esquecimento gradual da família e do amigo de infância. O efeito é um distanciamento que aparece em telefonemas interrompidos e visitas adiadas.

Susan, personagem de Elizabeth Perkins, entra quando escolhe observar de perto aquele colega de trabalho que parece não falar a língua corporativa. Ela decide se aproximar, primeiro por interesse profissional, depois por curiosidade diante de alguém que não teme ridículo em reuniões decisivas. A motivação dela nasce de anos de cinismo acumulado em relações anteriores e em negociações internas que cobram dureza. O obstáculo é aceitar a própria vulnerabilidade diante de um homem que, sem saber, ainda pensa como adolescente. O efeito é um romance que alterna humor e constrangimento, expondo expectativas contraditórias de intimidade no universo adulto.

Há uma sequência em que tudo parece desalinhado. Festa da empresa. Terno exagerado. Conversas truncadas. Brindes protocolares. Dança desajeitada. Josh decide agir como agiria em uma festa escolar, e não como se espera de um executivo em ascensão. A motivação é a vontade de se divertir de verdade, sem máscaras. O obstáculo é o olhar avaliador de chefes e colegas. O efeito imediato é um desconforto coletivo que revela o quanto aquele ambiente depende de papéis rígidos.

Penny Marshall conduz essas cenas com atenção ao espaço, usando escritórios amplos e apartamentos simples para marcar o descompasso entre quem Josh é e o que esperam dele. Em vários momentos a câmera acompanha o personagem caminhando sozinho por corredores longos demais, ou melhor, longos o suficiente para que o público sinta o peso de escolhas que parecem banais, como aceitar uma promoção. A motivação dessa construção visual é sublinhar a distância entre infância e mundo corporativo. O obstáculo ganha corpo quando o trabalho exige tempo integral e ser criança em segredo se torna difícil. O efeito é um cansaço silencioso que contamina até as brincadeiras.

A comédia não ignora o lado prático do arranjo. O protagonista precisa lidar com contas, relógio, transporte público e hierarquia no escritório, e cada exigência lembra que o desejo inicial foi feito sem cálculos. Ele decide fingir que domina esses códigos, imitando colegas e repetindo frases feitas em reuniões. A motivação está em ser aceito, manter o emprego recém conquistado e evitar a volta humilhada. O obstáculo é que qualquer descuido revela o garoto escondido. O efeito acumulado é um personagem dividido entre fantasia e exaustão.

Quando o roteiro encaminha Josh para o dilema decisivo, a sensação é de que a rota aparentemente divertida se estreita. Continuar naquele corpo significa consolidar carreira, romance e autonomia financeira. Reverter o desejo implica enfrentar pais assustados, anos de escola perdidos e uma amizade abalada. Ele demora a escolher, e essa demora é uma decisão em si. A motivação oscila entre culpa e encantamento com aquilo que conquistou. O obstáculo maior é aceitar que nenhuma possibilidade devolve o tempo como era. O efeito imediato é uma sequência em que trabalho, amor e memória da infância se atropelam.

O desfecho preserva a perspectiva do garoto, ainda que o corpo adulto ocupe quase todo o quadro, e é nesse contraste que a comédia ganha um tom discretamente melancólico. Quando Josh caminha por ruas que já não parecem tão grandes e olha brinquedos que já não divertem tanto, o filme sugere que crescer é menos sobre tamanho e mais sobre responsabilidade compartilhada. A última escolha dele, diante de um objeto que o acompanhou desde o início, encerra a rota dramática devolvendo o personagem ao ponto em que precisará reaprender a medir desejo e consequência.

Filme: Quero Ser Grande
Diretor: Penny Marshall
Ano: 1988
Gênero: Comédia/Drama/Fantasia/Romance
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★