Um filme magnífico acaba de chegar à Netflix: uma história real que toca o coração como poucas Divulgação / Walt Disney Pictures

Um filme magnífico acaba de chegar à Netflix: uma história real que toca o coração como poucas

Um ambiente hostil e suas intempéries e ameaças moldaram uma personalidade inatingível, capaz de avaliar conjunturas temerárias e optar pela melhor saída, conduzindo uma estrutura que pode representar a diferença entre saúde e enfermidade, vida e morte. Um espírito indomável paira ligeiro pela neve, dando substância a um gênero muito peculiar de coragem, aquela que passa por cima de cálculos, previsões e métodos. Chega-se à conclusão, por óbvio, que homem algum seria irracional o bastante para estar disposto, a toda hora, para enfrentar os perigos que rondam um lugarejo tão gelado quanto selvagem, e então a soberana natureza elege seus próprios heróis. “Togo” é um recorte providencialmente épico de um lance quase ignorado da história dos Estados Unidos, e não é surpresa nenhuma que seu protagonista seja um adorável cachorro. Ericson Core sabe o quanto o público gosta de cenas que juntam um animal inteligente e muito destemido a empreitadas audaciosas, tudo com um propósito humanitário. A magia do cinema faz o resto.

A difteria campeia no Alasca de 1925, e Leonhard Seppala (1877-1967) talvez seja o homem certo para combatê-la. Seppala, um criador e treinador de cães de trenó, deixara sua Noruega natal três décadas antes para ganhar a vida no primitivo território americano adquirido do Império Russo em 1867, achando que em pouco tempo estaria rico. Nada disso aconteceu, mas ele descobriu sua vocação, tornou-se respeitado e, de quebra, casou-se com Constance, a companhia perfeita para uma alma irrequieta como a sua. O roteiro de Tom Flynn divide o longa em sequências que mostram o dia a dia de Seppala e Constance, plenas de situações e diálogos que tratam de amenizar as mil dificuldades pelas quais passa o casal, e aquelas em que o cachorro ganha os holofotes, momento em que a trama começa a mostrar a que veio. Batizado em homenagem a Tōgō Heihachirō (1848-1934), o chefe militar japonês que derrotou os russos em Port Arthur e em Tsushima em 1905, Togo também é um guerreiro perseverante, que sempre dá um jeito de escapar do canil e acompanhar o mestre em suas expedições. 

Como já se poderia supor, Togo manifesta-se em cães de verdade, cujos movimentos são milimetricamente escaneados por computação gráfica, mas é tudo tão bem feito que isso vai se transformando numa nota à margem. O que de fato importa nunca deixa de aparecer, no primoroso trabalho de composição de Willem Dafoe, que passa de um chefe rabugento a um pai devotado, que aos poucos se conforma com a onipresença de Togo, tentando em vão poupá-lo de possíveis abusos. A sequência em que Seppala vence uma geleira prestes a se romper no trenó encabeçado por seu pupilo mais valente é o filme dentro do filme, e Dafoe faz-nos crer na parceria inquebrantável do homem e seu cão. Na pele de Constance, Julianne Nicholson oferece a medida de delicadeza que uma narrativa assim pede. Ninguém fica indiferente a um cachorro e suas lições.

Filme: Togo
Diretor: Ericson Core 
Ano: 2019
Gênero: Aventura/Biografia/Drama
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★
Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.