Esquecido nos cinemas, suspense com Russell Crowe renasce na Netflix e entrega muito mais do que promete Divulgação / Cutting Edge

Esquecido nos cinemas, suspense com Russell Crowe renasce na Netflix e entrega muito mais do que promete

A certa altura de “Zona de Risco”, fica impossível ignorar como o filme insiste em nos lembrar do abismo entre o que o público imagina ser uma operação militar e o que realmente sustenta a sobrevivência de uma equipe cercada por hostilidade. Esse contraste se torna ainda mais evidente quando o personagem Reaper, vivido por Russell Crowe, assume sua função como se estivesse lidando com algo muito mais frágil do que mapas térmicos ou coordenadas. Ele se guia pela convicção de que cada vida sob sua vigilância tem peso específico, e talvez seja justamente isso que faz o longa funcionar, mesmo quando tropeça em previsibilidades do gênero. A narrativa não tenta disfarçar certos atalhos, mas reconhece que a força da história está menos na coreografia das explosões e mais na tensão silenciosa entre quem enxerga o campo de batalha de longe e quem o atravessa passo a passo.

O enredo se organiza ao redor da missão que leva Kinney, interpretado por Liam Hemsworth, a um território hostil onde nada acontece da forma planejada. A progressão dos eventos não tem pudor em escalar a pressão: cada erro amplifica o próximo, e cada decisão mal calculada empurra o grupo para uma espiral de improviso. A presença de Reaper, acompanhando tudo de uma cabine isolada, cria um elo curioso entre dois mundos que raramente dialogam sem ruído. Ele observa, orienta, hesita e, sobretudo, tenta driblar a sensação de impotência que ameaça qualquer operador responsável por vidas que não estão ao alcance das mãos. A história articula essa relação com uma honestidade que, mesmo rodeada por cenas de impacto, não deixa que o espetáculo engula o desalento emocional que paira sobre os personagens.

O filme tenta reproduzir o desequilíbrio típico de missões que se estendem para além do previsto, e é aí que a dinâmica entre Kinney e Reaper ganha densidade. Talvez porque cada um represente uma faceta diferente da mesma engrenagem: um avança entre disparos e emboscadas, o outro tenta construir caminhos onde o terreno já se tornou instável. O texto sustenta bem essa dualidade, transformando o operador em alguém que, apesar do isolamento físico, participa do conflito com intensidade quase corporal. O cansaço dele não vem de correrias, mas de decisões que precisam ser tomadas em frações de segundo, sempre à beira do desastre. Há uma dimensão quase filosófica nesse dilema, ainda que o filme não se demore nele. Mesmo assim, a presença constante de Crowe é suficiente para dar forma a essa inquietação.

O ritmo é mantido por sequências de tensão bem construídas, embora algumas dependam de conveniências narrativas que o público acostumado ao gênero reconhecerá sem esforço. Ainda assim, essas escolhas não inviabilizam a experiência. A produção administra bem o uso de tecnologia, drones e estratégias táticas, evitando exageros que comprometeriam a imersão. Em vez disso, o filme prefere apostar na conexão entre os personagens, sem transformar Kinney em herói infalível ou Reaper em mentor místico. São homens esgotados pelo excesso de responsabilidade e pela crônica falta de controle sobre o que acontece no terreno. Essa consciência compartilhada sustenta a tensão e confere ao filme uma sinceridade rara entre produções que recorrem à pirotecnia para preencher lacunas dramáticas.

“Zona de Risco” não tenta reinventar o thriller militar, mas se apoia em um elemento que o torna mais interessante do que aparenta: a solidão. A de quem corre pela selva sem saber se voltará e a de quem acompanha tudo por telas que reduzem o caos a pixels. Essa distância compressa entre risco e vigilância constrói um filme que, mesmo irregular, captura a angústia contemporânea de conflitos travados à distância, mas sentidos de perto. E talvez seja essa sensação, a de estar simultaneamente protegido e exposto, que permanece ecoando depois que os créditos sobem, como uma pergunta incômoda que não se deixa encerrar.

Filme: Zona de Risco
Diretor: William Eubank
Ano: 2024
Gênero: Ação/Suspense
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★