Os assinantes da Mubi já conhecem muito bem como funciona o streaming. Ele é, inegavelmente, para amantes da Sétima Arte que estão em busca de algo bem além do entretenimento. O foco aqui é a experimentação, a autenticidade artística, filmes e séries independentes (sem apoio de grandes patrocinadores ou estúdios) e obras com mensagens provocativas, íntimas e inovadoras. “Hal & Harper“ definitivamente se enquadra em todos esses quesitos. Criada, escrita, dirigida e estrelada por Cooper Raiff, a minissérie de oito episódios foi lançada no Festival de Sundance de 2025 e acabou sendo adquirida pela Mubi, que cuidou do marketing e da exibição.
Cooper Raiff bancou toda a produção do próprio bolso, já que enfrentou resistência de executivos que acharam a série demasiadamente emotiva. De fato, ela é. Com cara de filme indie, os episódios narram a rotina dos irmãos Hal (Raiff) e Harper (Lili Reinhart), que recebem a notícia de que seu pai, interpretado por Mark Ruffalo, terá um bebê com sua namorada Kate (Betty Gilpin). A novidade abala a todos, já que traz à tona dores do passado. Afinal, para que o futuro seja recebido, é necessário superar o passado.
Lembranças da morte prematura e dolorosa da mãe de Hal e Harper dominam as emoções da família. O pai admite ter morrido com a esposa, uma morte emocional, tornando-se ausente nos momentos em que os filhos mais precisavam dele. Para Hal e Harper, foi também a morte da infância, já que tiveram de amadurecer mais cedo do que seus colegas, tornar-se independentes e resolver suas questões emocionais sozinhos. O resultado disso é uma família fragmentada, emocionalmente dependente entre si e que ainda sente as dores de um passado mal resolvido, uma tragédia em aberto.
Como e por que a mãe morreu jamais é explicado; afinal, o foco não é desvendar um mistério, mas compreender como superar essa dor e criar uma vida estável para a chegada da nova criança. Além de compartilharem o trauma, Hal, Harper e o pai ainda precisam resolver questões pessoais que, de alguma forma, estão conectadas por essa mesma ferida. Hal nunca amadureceu de fato e depende da irmã para resolver seus problemas. Harper está dividida entre o amor de Jesse (Alyah Chanelle Scott), sua namorada, e sua colega de trabalho Audrey (Addison Timlin).
Enquanto isso, o pai precisa se desfazer da antiga casa da família, onde os filhos cresceram, e superar a perda da esposa para poder recomeçar sua vida ao lado de Kate e do novo filho. A série utiliza flashbacks para relembrar situações marcantes da infância que moldaram quem eles se tornaram. Enquanto Hal se esforçava para se encaixar e fazer amigos na escola, Harper se fechou emocionalmente para se tornar forte e acabou assumindo o papel de fortaleza da família muito cedo. Já o pai oscilava entre a completa ausência emocional e a tentativa de criar memórias felizes com passeios decididos de última hora, sorvetes e brinquedos.
Na maioria dos flashbacks, Raiff e Reinhart interpretam a si mesmos crianças, criando uma sensação teatralizada e performativa da infância. Momentos em que a câmera é segurada na mão pelo operador privilegiam a sensação de realismo e de filme doméstico. As cores naturais, sem filtros ou contrastes exagerados, também reforçam a impressão de se estar assistindo à própria vida acontecer. Canções originais foram mescladas com scores já existentes, mas todos com uma atmosfera de indie folk, fortalecendo o clima alternativo da série.
Em uma entrevista veiculada pela própria Mubi, Raiff e Reinhart comentam que a chegada de Ruffalo ao elenco foi a realização de um sonho, já que o projeto é de baixo orçamento e sem uma grande estrutura por trás. O convite foi feito sem grandes expectativas, e a resposta positiva do ator, considerado uma das grandes estrelas de Hollywood, foi uma verdadeira surpresa.
“Hal & Harper“ é uma experiência extremamente íntima e dolorosa, que engatilha sentimentos relacionados ao luto, à parentalidade, à família e ao amadurecimento. Não se surpreenda se derramar algumas lágrimas ao longo dos episódios. A série fala diretamente ao coração de forma tão profunda que mais parece uma sessão de terapia destinada a desenterrar sentimentos há muito escondidos.
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