A comédia na Netflix que lembra que ninguém sai ileso da pré-adolescência Divulgação / Fox 2000 Pictures

A comédia na Netflix que lembra que ninguém sai ileso da pré-adolescência

A insistência de Greg Heffley em acreditar que o mundo lhe deve alguma forma de glória precoce sempre me soou como a síntese perfeita da ingenuidade cruel da pré-adolescência. Em “Diário de Um Banana”, Zachary Gordon encarna um garoto convencido de que a fila da vida começa justamente onde ele está, e que qualquer desvio, inclusive um amigo que não cabe no molde imaginário do sucesso, ameaça sua ascensão ao pódio invisível da popularidade do colégio. Logo nos primeiros minutos, ele revela sua própria obsessão por rankings, classificando colegas como quem organiza um catálogo de inutilidades sociais, enquanto insiste que aquele universo de lockers, fotos de ano e conversas truncadas deveria funcionar como uma vitrine para seu suposto brilho pessoal.

Rowley Jefferson, vivido por Robert Capron, entra nesse tabuleiro como um lembrete incômodo de que a vida raramente respeita as hierarquias que inventamos. Greg o observa com uma condescendência quase antropológica, como se a espontaneidade desajeitada do amigo fosse um atraso para sua autopromoção. Essa fricção, tratada com humor, revela algo mais profundo: a crueldade infantil é movida menos por maldade e mais por medo, o medo de não caber, de não ser visto, de não ter lugar. É por isso que o protagonista tenta moldar o mundo ao seu gosto, afastando quem considera inadequado e aproximando quem imagina que lhe trará prestígio, embora nunca consiga prever o efeito colateral dessa matemática emocional tão frágil.

O percurso não se apoia apenas nessa dupla. Chloe Moretz surge como uma presença breve, mas inteligente, uma espécie de consciência lateral do colégio, observando as dinâmicas sociais com uma serenidade que contrasta com o frenesi quase neurótico de Greg. Steve Zahn, no papel do pai, oferece uma camada adicional de ironia involuntária: um adulto que, sem perceber, reproduz as próprias incoerências que critica no filho, reforçando a ideia de que crescer não garante lucidez alguma. E então há Fregley, interpretado por Grayson Russell, que funciona como o espelho cômico do pânico social de Greg, lembrando-o de que a linha que separa o excêntrico do rejeitado é fina e arbitrária demais.

A famosa lenda do cheese touch funciona como um marcador social tão poderoso quanto absurdo. Aquele pedaço de queijo esquecido no asfalto se transforma no símbolo máximo da exclusão coletiva, transmitido como uma maldição que ninguém quer carregar. A sequência em que até um inseto tenta preservar sua dignidade diante do queijo evidencia o quão ridículas são as fronteiras que os adolescentes constroem, embora, paradoxalmente, sejam essas mesmas fronteiras que determinam suas vidas. Esse humor, mais ácido do que fofinho, dá ao filme um sabor curioso: divertimento visível, mas com uma pitada de desconforto.

A jornada de Greg progride como um inventário dos próprios equívocos. A tentativa de se firmar como alguém superior vira um labirinto de pequenas traições, ações impensadas e autodefesas mal calculadas. E quando tudo implode, ele se vê obrigado a reconhecer que a tal lista imaginária que tanto respeita não tem qualquer valor real. O que permanece, quando a poeira social assenta, é a relação com Rowley, um vínculo que ele tentou formatar, mas que se revela mais resistente do que seu narcisismo inicial. O gesto final de correção, que não vem da culpa, mas de uma centelha tardia de consciência, reposiciona os dois e devolve alguma humanidade ao protagonista.

O filme funciona justamente por entender o que a infância raramente perdoa: ninguém passa por ela incólume. O colégio, nesse microcosmo caótico, age como uma arena onde expectativas frágeis colidem com a realidade, e o riso que escapa entre uma cena e outra nunca é apenas leveza, mas uma lembrança incômoda de quem fomos quando achávamos que o mundo girava ao nosso redor. Talvez por isso “Diário de Um Banana” permaneça tão eficaz: ele usa a ingenuidade de Greg para desmontar qualquer ilusão de grandeza juvenil, deixando no ar a constatação de que crescer é, em partes iguais, um alívio e um pequeno luto que fingimos não sentir.

Filme: Diário de um Banana
Diretor: Thor Freudenthal
Ano: 2010
Gênero: Comédia/Drama/Família
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★