“Quero Matar Meu Chefe”, de Seth Gordon, reúne Jason Bateman, Charlie Day e Jason Sudeikis como três trabalhadores de classe média baixa sufocados por patrões que transformam a rotina em tortura. Cada um vive um tipo distinto de opressão: o executivo sádico, a dentista assediadora e o herdeiro inepto que trata a empresa como brinquedo. O conflito central nasce da frustração diante de um sistema que não oferece saída institucional nem ética, e do impulso de transformar o ressentimento em ação — mesmo que essa ação seja criminosa.
A primeira metade do filme se constrói como um estudo de cerco. O escritório, o consultório e a linha de montagem são variações do mesmo cárcere de vidro e carpete. Nick (Bateman) chega cedo, cumpre metas, mas nunca é promovido. Dale (Day) é técnico dental que suporta a tensão sexual constante imposta por sua chefe (Jennifer Aniston). Kurt (Sudeikis) trabalha sob um novo dono (Colin Farrell) cuja incompetência ameaça destruir o emprego de todos. Gordon filma esses ambientes com iluminação fria e cortes rápidos, reforçando a sensação de que o tempo não flui, apenas se repete.
Quando a pressão atinge o limite, os três decidem planejar a eliminação dos chefes. É aí que o filme muda de eixo: sai do cerco e entra no procedimento. O plano é improvisado, ridículo, atravessado por erros básicos e uma ingenuidade quase infantil. A investigação sobre “como matar alguém” inclui um encontro com um suposto criminoso experiente (Jamie Foxx) e visitas desastradas às casas das vítimas. O humor nasce do contraste entre a grandiloquência das intenções e a mediocridade dos métodos. Cada decisão, tomada sob nervosismo e ignorância, aprofunda a confusão e aproxima o grupo do desastre.
Há algo de revelador na forma como o roteiro transforma incompetência em motor narrativo. O que deveria ser um golpe preciso vira um espelho da própria estrutura que os oprime: decisões tomadas sem informação, riscos mal calculados, hierarquias improvisadas. Quando Nick tenta assumir a liderança do plano, é interrompido pelos amigos que querem opinar, como se a reunião fosse uma paródia do ambiente de trabalho que os levou até ali. O humor se constrói a partir do eco: a tentativa de escapar do sistema repete exatamente as falhas que o sustentam.
Seth Gordon filma a ação com clareza quase televisiva, apoiado em diálogos rápidos e uma montagem que privilegia reação sobre gesto. O foco não está na violência, mas no descompasso entre fala e ação. Os personagens falam muito, planejam demais, erram o alvo. A câmera raramente se move com violência; prefere observar o constrangimento, o olhar lateral, a pausa longa antes de uma decisão equivocada. Isso mantém o tom de comédia de costumes, mesmo quando a trama flerta com o crime.
Há momentos em que o riso se aproxima do desconforto. A cena em que Dale tenta justificar sua recusa aos avanços da chefe, por exemplo, inverte os papéis tradicionais do assédio com uma ironia que beira o incômodo. O humor físico de Charlie Day se sustenta na hesitação, na voz aguda que tenta recuperar controle e falha. Jennifer Aniston, por outro lado, interpreta a dentista com frieza quase clínica, tornando o exagero plausível dentro da lógica absurda do filme. O contraste entre o tom das atuações é o que mantém a tensão cômica.
O trio central funciona como um organismo disfuncional. Um é racional, outro impulsivo, o terceiro acredita em improviso. Juntos, representam a soma dos erros corporativos: excesso de controle, falta de informação e comunicação precária. Quando uma decisão mal calculada ameaça expor o grupo, a narrativa alcança seu ponto de maior risco. O tempo se contrai, o medo de serem descobertos substitui o impulso de vingança. Nesse ponto, o riso se torna uma forma de defesa.
Tecnicamente, o filme adota o ritmo das comédias americanas pós-anos 2000: cortes curtos, trilha pop, cores saturadas. Mas há momentos em que Gordon desacelera. Um plano fixo acompanha Nick observando o prédio do chefe, luz artificial refletida no vidro, enquanto o som do trânsito invade o silêncio. É um gesto pequeno, mas suficiente para lembrar que, por trás da farsa, há uma vida corroída pela rotina.
A comédia, aqui, não oferece catarse. O crime planejado não liberta; apenas reproduz o caos burocrático em outra chave. Cada erro gera uma nova reunião, uma nova tentativa de alinhamento. O filme usa o absurdo como método para descrever o real: a sensação de estar preso a decisões que ninguém entende completamente, mas que todos seguem executando. A piada, nesse sentido, é apenas o disfarce da impotência.
No desfecho, o que resta é o retorno à normalidade — não exatamente como antes, mas contaminada. O espectador entende que a linha entre ordem e delírio é tênue. “Quero Matar Meu Chefe” ri do colapso moral do trabalho contemporâneo com a mesma naturalidade com que seus personagens fingem que nada aconteceu. Uma janela se fecha, um celular vibra, a vida continua. E o escritório, esse cenário de guerra silenciosa, segue aberto às nove da manhã.
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