A primeira impressão de “Viagem 2: A Ilha Misteriosa“ é a de um cartão-postal turbinado por computação digital, onde cada palmeira parece saída de um catálogo de viagens e cada criatura gigante funciona como uma tentativa desesperada de manter o espectador desperto. No entanto, por trás do verniz luminoso, existe um tipo curioso de aventura familiar que opera como laboratório de excessos: quanto mais brilho, mais evidente fica o vazio das relações humanas colocadas em cena. É justamente nessa lacuna que o filme revela seu interesse involuntário, uma espécie de espelho involuntário de como o escapismo contemporâneo tenta compensar falhas afetivas com imagens grandiosas.
O fio condutor é Sean Anderson, interpretado por Josh Hutcherson, adolescente que carrega a impaciência típica dos filmes do gênero e a presunção de quem acredita estar pronto para decifrar o mundo sem precisar de adultos por perto. O encontro forçado com Hank, vivido por Dwayne Johnson, reorganiza essa dinâmica. Ele não assume o papel de pai substituto de maneira orgânica; instala-se mais como um mediador que tenta provar sua utilidade a cada minuto, como se seu valor emocional dependesse de um repertório improvável de habilidades. A decodificação de mensagens secretas, a segurança tática e até uma serenata no ukulele compõem esse esforço de autopromoção que se torna quase cômico pela artificialidade.
Quando os dois chegam à ilha em busca de Alexander, o avô interpretado por Michael Caine, o ambiente paradisíaco se transforma em palco para disputas territoriais entre três versões conflitantes de masculinidade. Alexander desdenha Hank com prazer evidente; Hank responde tentando manter uma compostura pragmática que nunca dura muito; Sean assiste a tudo enquanto disputa atenção com Kailani, vivida por Vanessa Hudgens, cujo olhar contrariado e humor seco acabam funcionando como pontos de equilíbrio diante de tanta testosterona mal resolvida.
A presença de Gabato, interpretado por Luis Guzmán, adiciona um componente desconfortável: ele circula como alívio cômico num roteiro que o trata com uma condescendência difícil de ignorar. É curioso como o filme investe tanto na grandiosidade dos cenários, abelhas gigantes, lagartos colossais, montanhas douradas, e tão pouco na dignidade mínima dos personagens secundários. A cada nova extravagância visual, cresce a sensação de que aquele mundo exuberante funciona como distração para vínculos frágeis, conversas interrompidas e tensões abafadas pela pressa de chegar ao próximo espetáculo digital.
O enredo avança com previsibilidade calculada: o grupo precisa escapar da ilha antes que ela afunde, enfrentar animais improváveis e superar conflitos familiares que se resolvem de forma tão rápida quanto surgem. Ainda assim, existe algo intrigante na tentativa do filme de construir uma aventura que parece sempre pedir desculpas por sua própria superficialidade. Ele tenta ser leve, tenta divertir, tenta comover – e, ao tentar tudo ao mesmo tempo, acaba expondo as estruturas frágeis que sustentam sua fantasia colorida.
“Viagem 2: A Ilha Misteriosa“ não tem coerência narrativa, porque ela é rara, mas a maneira involuntária como revela os vazios emocionais que procura esconder é uma verdadeira qualidade. Talvez seja esse o paradoxo que o torna curioso para um olhar mais atento: a aventura que promete fuga, mas revela carências; o espetáculo que oferece maravilhas, mas deixa pistas de insegurança; o filme que acredita ser grandioso, mas acaba confessando suas fragilidades entre uma abelha gigante e uma disputa tola entre homens que nunca aprenderam a conversar.
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