Ficção científica com Mark Wahlberg na Netflix que vai revirar seu cérebro Divulgação / Paramount Pictures

Ficção científica com Mark Wahlberg na Netflix que vai revirar seu cérebro

O desconcerto começa rápido em “Infinito”, como se o filme tivesse decidido abrir o jogo antes da hora e, ainda assim, não dissesse nada de realmente útil. A perseguição em alta rotação pelas ruas de Cidade do México surge com energia, mas sem lastro: três personagens correm com um objeto cuja importância ninguém conhece e essa escolha narrativa produz exatamente o que deveria evitar, uma ação grandiosa que soa oca, incapaz de gerar qualquer tensão. Quando Evan McCauley, vivido por Mark Wahlberg, entra em cena, o contraste é tão abrupto que parece pertencer a outro filme. Ele tenta sobreviver ao dia a dia enquanto administra o diagnóstico de esquizofrenia, abastece-se de ansiolíticos por vias pouco ortodoxas e tenta manter um fio de racionalidade que escapa sempre que memórias estranhas o assaltam. A realidade dele já parece instável o suficiente, e é aí que “Infinito” resolve depositar o seu principal truque: dizer ao personagem que sua identidade nunca foi apenas sua.

Bathurst, interpretado com excesso de gravidade por Chiwetel Ejiofor, surge como a figura que amarra Evan a um passado que ele desconhece. As intenções são hostis, o discurso é ainda mais, e a crueldade com que ele tenta extrair respostas transforma o interrogatório em espetáculo de desumanização. Essa sequência deveria acender o pavio do suspense, mas o texto insiste em sobrecarregar a fala do antagonista com metáforas que beiram a autoparódia. A impressão é de que Bathurst carrega uma convicção genuína, mas foi condenado a declamá-la como se estivesse preso a um manual de expressões grandiloquentes. Quando Nora, interpretada por Sophie Cookson, invade o cenário para resgatar Evan, o filme ganha ar de reorganização. Ela explica o que ele de fato é: um Infinite, alguém capaz de acessar as memórias acumuladas de outras vidas. O passado dele como Heinrich Treadway, vivido por Dylan O’Brien, deixa de ser um delírio e passa a ser a chave de uma disputa entre facções que veem a própria reencarnação de modos opostos.

O grupo dos Believers encara esse ciclo como responsabilidade, enquanto os Nihilists enxergam nele uma condenação. Bathurst, líder dos últimos, busca uma arma escondida que encerraria a existência humana apenas para quebrar esse eterno retorno. É um conflito de ambições que poderia render discussões interessantes sobre autonomia, sofrimento, tempo e identidade, mas o filme prefere tratar tudo como uma engrenagem funcional que empurra Evan de um set de ação para outro. A jornada de autodescoberta dele tem ritmo acelerado demais para absorver qualquer complexidade, e a estrutura narrativa funciona como um carrossel que gira tão rápido que impede o espectador de enxergar qualquer detalhe.

Ainda assim, alguns personagens breves tentam salvar o clima. Jason Mantzoukas aparece como o Artisan, um Infinite entregue ao hedonismo, e sua presença tem um charme estranho, quase libertador, porque ele parece ser o único que entendeu o absurdo do próprio universo ao qual pertence. O resto da equipe funciona como satélite: orbita, mas pouco interfere. Sophie Cookson até tenta construir uma personagem movida por uma dor passada, mas a trama oferece tão pouco espaço que sua motivação evapora antes mesmo de ter peso. A sensação é de que “Infinito” coleciona elementos promissores, mas nenhum deles recebe oxigênio suficiente para se transformar em algo memorável.

Antoine Fuqua conduz as cenas de ação com a familiar competência, embora amarrado pelo limite da classificação indicativa. O resultado é uma sequência de embates que parecem querer explodir, mas não encontram espaço para isso. Grandes ideias visuais pulsam aqui e ali, como relances de um filme mais audacioso que nunca se concretiza. A insistência em evocar referências evidentes: The Matrix, Highlander, até certo espírito de franquias de espionagem enfraquece ainda mais uma identidade que já era frágil. Essa colcha de retalhos deixa claro que o filme sabe o que admira, mas não sabe quem é.

“Infinito” se apoia num conceito poderoso e o reduz a uma combinação apressada de explicações, perseguições e diálogos que tentam parecer profundos enquanto escorregam pelo exagero. É um filme que tenta converter reencarnação em espetáculo, mas tropeça no próprio ímpeto de justificar tudo rapidamente, sem permitir que as ideias respirem. E quando nada respira, também não pulsa. O que permanece é a sensação de promessa não cumprida: uma história que poderia questionar o peso das vidas que carregamos, mas se contenta em repeti-las como se fossem apenas ruído.

Filme: Infinito
Diretor: Antoine de Fuqua
Ano: 2021
Gênero: Ação/Ficção Científica/Suspense
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★