A comédia romântica sempre teve a pretensão de funcionar como anestesia leve para dias saturados, mas “Juntos e Misturados“ toma outro rumo: soa como aquele momento em que o riso tenta sobreviver em meio ao cansaço emocional de quem já acumulou frustrações suficientes para duvidar do amor e, ainda assim, resolve tentar mais uma vez. A narrativa inicia com Lauren, vivida por Drew Barrymore, e Jim, interpretado por Adam Sandler, compartilhando um encontro às cegas tão desconfortável que parece ter sido extraído de um laboratório dedicado a testar limites do constrangimento humano. A partir desse ponto inaugural, o filme articula seu interesse central: não a busca pelo romance idealizado, mas a hesitação profunda de dois adultos que já conhecem o peso de decisões erradas e a responsabilidade de criar filhos sem deixar que a própria vida se evapore no processo.
O deslocamento para a viagem à África funciona como catalisador dessa aproximação acidental. É lá que as defesas emocionais começam a ceder, muito mais pela convivência obrigatória do que por qualquer impulso romântico imediato. O roteiro dá espaço para que Lauren e Jim observem um ao outro pela lente das necessidades de seus filhos. Hilary, Vanessa, Espn e Brendan — interpretados por Bella Thorne, Alyvia Alyn Lind, Emma Fuhrmann e Braxton Beckham — não são acessórios narrativos; agem como espelhos, expondo os medos silenciosos dos pais, especialmente o de não serem suficientes. Há algo de profundamente humano quando Jim tenta oferecer à filha Hilary o tipo de reconhecimento que ela há muito não recebia ou quando Lauren percebe que Brendan precisa mais de limites firmes do que de proteção melancólica. Essa troca revela um afeto que se constrói aos poucos, sem discursos grandiosos, apenas com gestos que carregam a marca de imperfeições autênticas.
O humor aparece como variação de temperatura. Ora funciona como respiro, ora como ruído, especialmente quando aposta em piadas mais físicas que diluem a força emocional da história. Helena não se surpreende: o cinema comercial norte-americano costuma confundir excesso com graça. Ainda assim, Terry Crews, interpretando Nickens, opera como espécie de coro comentador, sempre exagerado, mas capaz de iluminar a narrativa com uma vibração particular, quase paródica. É curioso como sua presença funciona como lembrete de que a leveza, quando bem calibrada, pode conviver com sentimentos mais densos sem perder o brilho. O filme perde foco em alguns trechos, mas recupera fôlego quando se concentra no amadurecimento mútuo dos protagonistas, especialmente quando abandonam a tentativa de performar perfeição e aceitam que suas falhas são, paradoxalmente, o que os torna compatíveis.
A história evita conclusões arrumadas demais. Jim ainda é atravessado pela memória da esposa; Lauren carrega feridas de seu casamento desfeito. Nenhum deles se transforma em versão idealizada de si mesmo. O que o filme captura com delicadeza é o instante em que escolhas deixam de ser movidas pelo medo e passam a ser guiadas por uma espécie de coragem íntima, aquela que só aparece quando a vida insiste em se reorganizar apesar de tudo. “Juntos e Misturados“ não reinventa o gênero, mas escapa da superficialidade típica ao examinar, com certa ternura e humor moderado, a equação complexa que une dois adultos imperfeitos em territórios instáveis. A força do filme está justamente na recusa de entregar conclusões confortáveis. Ele sugere que amar de novo exige mais elasticidade do que encantamento: é um exercício contínuo de desapego das próprias defesas. É nesse intervalo entre o medo e a possibilidade que a narrativa encontra o seu momento mais luminoso.
★★★★★★★★★★


