O idealismo dos jovens chega a ser comovente. Mesmo quando francamente equivocada, essa tendência a achar que tudo na vida caminha para soluções consensuais que agradam a todos, mesmo quando os problemas em tela desafiam a lógica e estendem-se indefinidamente no tempo, fascina. Imaturidades, no plural, excesso de autoconfiança, e, às vezes também envenenados por uma ponta de má-fé, preguiça e soberba, irrigadas pelo desespero, essa visão de mundo sob lentes cor-de-rosa, que distorcem a realidade e dão-lhe belezas que ela não tem, fazem com que os menos experientes cometam enganos aterradores. Feminismo, essa palavra mágica e envelhecida precocemente, define um movimento social e filosófico que confronta homens com seu ancestral desejo de possuir, em todos os significados possíveis para este verbo. Entretanto, a luta das mulheres de todas as idades pela verdadeira autonomia não escapa às contradições próprias da natureza humana, e aí começam os problemas em “A Onda”. Figura em ascensão no cinema em língua espanhola, o chileno Sebastián Lelio já tem um currículo extenso, em que destacam-se produções que miram personagens femininas em busca de lugar no mundo, como “Gloria” (2013) e “Desobediência” (2017). Agora, Lelio arrisca-se numa linguagem nova para questionar como as demandas das mulheres são vistas numa sociedade em permanente mudança, mas não vai além da caricatura.
O musical de Lelio volta aosprotestos pelos direitos das mulheres que tomaram o Chile em 2018. O Maio Feminista levou milhares de chilenas a ocupar universidades e marchar pelas ruas das principais cidades do país, reivindicando o fim da violência contra as mulheres e do assédio sexual; o incentivo a uma educação não sexista; o combate ao machismo estrutural; e a punição a casos de feminicídio, chaga que já havia feito sete vítimas até então. Aqui, Julia estuda música numa certa Universidade Nacional do Chile, parece pouco interessada em engajamento político e nas horas vagas trabalha duro na mercearia da mãe. Essa última informação é fundamental para que se entenda bastante da psicologia da personagem, mas o roteiro de Lelio, Josefina Fernández, Manuela Infante e Paloma Salas fica mesmo é na performance acadêmica de Julia, empenhada em atingir as notas mais agudas num exercício vocal, até tornar-se o epicentro de um terremoto. Ao término de uma festa, Julia vai para a casa de Max, o colega de curso vivido por Nestor Cantillana, e os dois acabam na cama do rapaz. Mas ela não se recorda direito do que houve depois.
O drama da anti-heroína é contado pela trilha sonora de Matthew Herbert e a coreografia de Ryan Heffington, completas pela interpretação sensível de Daniela López — não por acaso quem menos canta e dança. A esmagadora maioria das participações é tediosa, com um exército de figurantes a entrar em cena, dizer um ou dois versos e sumir, enquanto López faz o que consegue para despertar a empatia do público, uma missão ingrata. Max nunca tem a chance de defender-se, e mencionar o fato de que a garota pode estar confusa por exagerado na bebida só faz piorar sua situação. A única pessoa que insinua a corresponsabilidade de Julia em sua desgraça é, claro, a mãe, a mais pobre e sobre cujas costas tudo terminará desabando cedo ou tarde. Malgrado em aparições-relâmpago, Claudia Cabezas é decisiva para que “A Onda” não soçobre no binarismo pueril de mártires feministas enfrentando machos endinheirados e tóxicos, personificação da culpa atávica de todos os homens. Eu não tenho culpa de nada, e não sei se é adequado tratar um assunto tão doloroso com uma alegoria musical à Broadway.
★★★★★★★★★★


