Filmes são, em geral, indicadores de precisão quase imbatível quanto a apontar as mudanças pelas quais as sociedades ao redor do mundo anseiam, bem como são capazes de, antes que nos deixemos fazer presas do louvor estúpido por possíveis novos serviços e ideias, elencar uma infinidade de motivos bastante pertinentes (e elementares) quanto à impropriedade e mesmo aos perigos ocultos de tais revoluções. O trabalho remoto e a automação barraram as fronteiras da intimidade. As máquinas fazem questão de lembrar-nos de nossos defeitos e, assim, acabamos de tal modo vexados de nossa pobre humanidade que a encobrimos. Carol Peters vai deixando-se cair nessa armadilha, mas também consegue extrair proveito do dispositivo ultratecnológico que invade sua rotina sem prévio aviso. “Superinteligência” explora boas possibilidades do argumento, divagando sobre um cérebro eletrônico charmoso o bastante para influenciar as decisões mais importantes de uma pessoa. Ben Falcone vale-se do nonsense para contar a história de um amor conflituoso, e a ficção científica entra como elemento central de uma necessária crítica à pós-modernidade insana em que nos metemos.
Carol é a mulher mais comum da Terra, e ela o sabe. Seus namoros nunca emplacam, sua dedicação profissional não lhe garante estabilidade financeira e seus amigos raramente parecem dispostos a ajudá-la. Mesmo assim, ela acredita que tem uma missão: fazer do mundo um lugar melhor, independentemente de julgarem-na uma romântica desvairada. A seu favor, afirme-se que Carol não tem medo de pegar no pesado, procura tutores para cães com deficiência e comparece a entrevistas com possíveis chefes sádicos, que não tem pejo algum de humilhá-la. O roteiro de Steve Mallory fala brevemente de um homem com quem ela manteve uma relação intensa, terminada de forma abrupta, e esse é o gancho para que se dê a primeira reviravolta do enredo. A sorte da moça começa a virar no momento em que alguém se compadece dela, mas não um consorte no vale de lágrimas que abriga oito bilhões de seres humanos. Trata-se de um programa cibernético que a acompanha aonde quer que vá, conversando com ela através do rádio-relógio ou da torradeira.
A partir daí, Falcone assume sua intenção de brincar com clichês do gênero, dialogando com produções a exemplo de“Ela” (2013), dirigido por Spike Jonze, ou “Ex_Machina: Instinto Artificial” (2014), levado à tela por Alex Garland, optando, claro, por priorizar a graça. O diretor deixa seu elenco livre para improvisos que dão à narrativa o tom despretensioso que um filme dessas natureza requer, e fica evidente o nível de intimidade entre uma ponta e outra. Esposa de Falcone, Melissa McCarthy balança do melodrama para os lances desbragadamente fantasiosos, que James Corden, a voz do dispositivo de inteligência artificial que interage com Carol, torna críveis. Na pele de Dennis, o melhor amigo nerd da personagem de McCarthy que aconselha a presidente americana sobre que medidas tomar num iminente ataque de robôs furiosos no terceiro ato, Brian Tyree Henry é uma grata surpresa — feito que Bobby Cannavale não consegue como George, o ex-companheiro de Carol. “Superinteligência” é um caos, mas um caos divertido.
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