Há uma tendência recorrente na filmografia de Wes Anderson: a organização milimétrica do caos humano. Entretanto, em “Asteroid City”, essa relação se desequilibra. O rigor formal permanece inabalável, porém o conteúdo dramático se dilui, como se o filme hesitasse diante das próprias perguntas. Essa hesitação não se traduz em ambiguidade produtiva, mas em uma fragmentação que compromete o impacto emocional e a inteligibilidade narrativa.
O enredo se passa em uma cidade perdida no deserto norte-americano, durante a década de 1950, onde um evento envolvendo vida extraterrestre provoca confinamento e especulação. A premissa oferece inúmeros caminhos temáticos: paranoia da Guerra Fria, controle governamental, medo da transcendência científica e até o avanço infantil como forma de ruptura com o status quo. No entanto, essas possibilidades se cruzam sem se completar. A estrutura dramatúrgica se organiza como um mosaico de pequenas tensões que raramente convergem para um núcleo sólido, fazendo com que o espectador persiga um sentido que não se revela de modo consistente.
A escolha por um modelo narrativo que simula uma peça dentro de um filme adiciona uma camada metalinguística. Anderson parece buscar reflexão sobre autoria, representação e a fabricação do mito estadunidense. Ainda assim, a articulação entre as duas dimensões dramatúrgicas não atinge um propósito claro. O artifício, em vez de intensificar a experiência, isola o público daquilo que deveria ser o centro da percepção: o conflito humano. A sensação é de distância permanente, como se a inteligência formal do diretor funcionasse como barreira entre personagem e espectador.
Os personagens, interpretados por um elenco numeroso e tecnicamente competente, têm perfis definidos mais por função do que por desenvolvimento psicológico. Suas ações não resultam em consequências capazes de transformar seus percursos. A figura do pai que evita anunciar um luto, os jovens cientistas que disputam reconhecimento, a atriz destinada ao papel da própria persona: todos habitam ideias promissoras que não se desdobram. O acúmulo de microtramas produz um ruído estrutural que prejudica isso que, tradicionalmente, sustenta uma narrativa, a progressão motivada.
O filme demonstra domínio absoluto do que poderíamos chamar de organização visual: cenografias rígidas, simetria constante, paleta cromática marcada e movimentos calculados. Tudo isso é entregue com excelência, como já se espera do diretor. Porém, o rigor composicional não encontra equivalência dramatúrgica. A forma se impõe ao conteúdo, e o resultado é uma experiência que privilegia o observador atento ao detalhe plástico, mas negligencia o espectador que busca sentido no gesto humano.
Comparar com outras produções do cineasta ajuda a compreender a lacuna. Em “Moonrise Kingdom”, a estética apoia o amadurecimento dos protagonistas. Em “The Grand Budapest Hotel”, o humor e a violência constroem, simultaneamente, uma meditação sobre memória e decadência política. Já em “Asteroid City”, a relação entre superfície e densidade se enfraquece. O gesto de pensar sobre a imaginação científica e o confinamento como metáfora social não se convertem em narrativa robusta.
Nada disso elimina a importância do filme dentro da trajetória de Anderson. Há coragem em romper com o conforto do próprio estilo, ainda que o resultado revele as dificuldades dessa transição. O diretor exibe aqui seu paradoxo contemporâneo: quanto mais depura a forma, maior o risco de esvaziar a experiência que o tornou referência autoral. Talvez esse seja o verdadeiro tema escondido de “Asteroid City”: um criador diante do limite de seu próprio método.
O longa não fracassa em oferecer estímulo intelectual, mas fica aquém de produzir envolvimento concreto. A audiência deixa a sala com a certeza de ter visto um experimento de grande habilidade técnica, embora carente de um propósito plenamente realizado. Anderson continua sendo um artista fundamental, mas este capítulo específico de sua filmografia funciona mais como ensaio do que como síntese.
★★★★★★★★★★






