O melhor filme argentino de 2025 chegou à Netflix — e vai ficar na sua memória Divulgação / Netflix

O melhor filme argentino de 2025 chegou à Netflix — e vai ficar na sua memória

Uma mãe quer tirar o filho da cadeia. Esse é o conflito central de “A Mulher da Fila”, dirigido por Benjamín Ávila e protagonizado por Natalia Oreiro, com Amparo Noguera e Alberto Ammann, baseado em uma história real. A personagem de Oreiro, Andrea, fixa um único objetivo verificável desde cedo: garantir que o jovem volte para casa. A prisão, motivada por acusação contestada e por barreiras burocráticas, cria o primeiro obstáculo concreto e mensurável, pois remove dela controle, tempo e informação, três recursos que a narrativa demonstra como vitais para qualquer avanço. A partir daí, cada cena desloca o eixo entre esperança e desânimo, sempre mediada por agentes, janelas de atendimento, regulamentos e outras mulheres na fila, que funcionam como espelho e manual prático de sobrevivência. Benjamín Ávila concentra o foco em ações simples que mudam o curso das coisas, sem atalhos piedosos. O percurso segue tentativas, recuos e novas táticas, em que a vida doméstica vira logística, e a fila, um espaço de aprendizagem coletiva.

Andrea começa acreditando que um bom argumento bastará. Ao chegar à unidade prisional, descobre a regra não escrita do lugar: quem detém a caneta decide o ritmo. Ela adapta o plano, passa a ordenar documentos e recibos, e percebe que a informação circula em fragmentos. Uma atendente sugere um formulário adicional, o guarda indica outro guichê, a advogada nomeada por ofício comunica que precisa de prazo. Cada microinteração muda o objetivo imediato. Se o objetivo macro é libertar o filho, o objetivo de cena passa a ser conseguir uma senha específica, colocar o nome na lista de visitas, protocolar um pedido dentro do prazo, manter o jovem seguro. Essas decisões pontuais criam uma contabilidade de perdas e ganhos que o público acompanha quase em tempo real.

O primeiro grande giro ocorre quando Andrea entende que a fila não é apenas espera, é um ambiente de regras informais. Ali, ela observa a rotina das veteranas, mulheres que dominam o hábito de chegar cedo, marcar lugar, tirar cópias, dividir água, negociar com a administração. Ao aceitar ajuda, Andrea muda de estratégia. O risco diminui em um aspecto, amplia em outro. Com mais eficácia no atendimento, ela avança, mas se expõe a retaliações e a suspeitas de favorecimento. A nova tática cobra preço em casa. A agenda familiar desorganiza, o emprego vacila, a relação com vizinhos e parentes muda de tom. O filme trata essas repercussões como extensão do mesmo conflito, recusando separar vida e processo penal. A cada papel entregue, mais tempo some da rotina e mais atritos sociais aparecem, e o objetivo, em vez de se diluir, se concentra.

Uma conversa no pátio altera o relógio dramático. Uma das mulheres comenta, em voz baixa, que uma possível medida administrativa pode alongar prazos e reduzir o acesso imediato da mãe às atualizações do caso. A fala muda a equação do tempo. O objetivo passa a incluir urgência em providências documentais, pois qualquer alteração institucional pode romper vínculos e reiniciar etapas. Andrea decide intensificar contatos formais e registrar novas solicitações, e a trama acompanha a consequência temporal dessa decisão: filas maiores, deslocamentos, e a necessidade de obter uma certidão em repartição distante. O risco agora é duplo, porque a inação do Estado se soma ao erro humano possível em qualquer etapa.

Quando a montagem acelera a rotina de idas e vindas, não serve para ornamentar o desespero, serve para transmitir informação sobre o tempo. A sucessão de carimbos e esperas reordena prioridades e puxa o foco para decisões pontuais que produzem efeito concreto. A fotografia alterna ambientes fechados e áreas de sol forte, não para embelezar, mas para marcar a passagem dos dias e a variação da pressão. Primeiro, o relógio domina Andrea. Depois, ela aprende a prever o jogo dos horários, a hora em que um servidor abre exceção, o instante em que a troca de turno aumenta a chance de uma solicitação avançar.

A entrada de um interlocutor ligado ao processo traz um obstáculo moral. Ele oferece um caminho supostamente mais curto, que cobra concessões legais e morais. Andrea hesita. Essa hesitação tem peso dramático, pois colocaria em risco a integridade do caso e a segurança do filho. A recusa, quando se confirma, produz represália silenciosa: mais espera, mais papel devolvido por detalhe. A consequência é imediata, e o filme confia no público para conectar causa e efeito sem sublinhar intenções.

As outras mulheres exercem função narrativa precisa. Elas não aparecem para amenizar a história, mas para oferecer recursos. Uma orienta como apresentar a documentação para não perder a vez. Outra avisa sobre uma exigência administrativa que pode congelar pedidos por um período. A solidariedade dessa prática compartilhada altera o ponto de vista de Andrea. Ela deixa de ser apenas mãe de um preso e passa a integrar um grupo informal que entende o funcionamento da máquina. Essa virada reduz a assimetria de informação e aumenta a eficácia das ações seguintes.

O ponto de maior tensão se forma quando dois movimentos correm em paralelo. De um lado, um encaminhamento interno, ainda opaco para quem está do lado de fora, ameaça empurrar o caso para outra esfera decisória e prolongar prazos. De outro, Andrea recebe notícia de um episódio ocorrido dentro do presídio que pode ser interpretado de maneira desfavorável para o filho. Ela precisa escolher entre insistir nos ritos institucionais, com risco de paralisia, ou buscar visibilidade para o caso por meio de uma estratégia coletiva, assumindo exposição e possíveis consequências legais. A cena que antecede a escolha ajusta o ritmo. O som ambiente desce, as vozes na fila cessam por segundos, e um olhar entre Andrea e uma das veteranas indica a dimensão do risco imediato. O recurso técnico aqui é informativo, pois redefine o tempo e concentra a atenção no que está em jogo no minuto seguinte.
As decisões anteriores pesam nessa encruzilhada. Se aceitar o atalho proposto, Andrea compromete a integridade do processo. Se apostar em maior visibilidade, pode perder o pouco acesso que ainda tem a certas instâncias do atendimento. A narrativa sustenta a tensão sem revelar a resolução, mas explicita a consequência imediata: qualquer movimento reconfigurará a próxima janela de possibilidade, seja para uma resposta favorável, seja para endurecimento das condições de visita. O foco retorna ao rosto de Andrea e às mulheres atrás dela, que ajustam bolsas, seguram pastas transparentes, verificam senhas e respiram em compasso. A fila, antes obstáculo, torna-se instrumento. Ali se formam alianças, ali circula a notícia, ali se mede a coragem necessária para atravessar o próximo portão.

A atuação de Natalia Oreiro funciona como extensão do procedimento do roteiro. Em vez de declarações grandiloquentes, ela expressa o objetivo por meio de ações repetidas e calibradas, que ampliam ou reduzem a margem de manobra da personagem. Amparo Noguera e Alberto Ammann reforçam o desenho dramático sem roubar o eixo principal, atuando como vetores de informação e pressão. Quando a direção encurta o espaço do quadro em ambientes burocráticos, não surge como efeito plástico gratuito, e sim para registrar a compressão de escolhas naquele instante, influenciando o ritmo e a leitura do risco. Esses recursos técnicos entram para alterar entendimento, foco ou tempo, nunca para enfeitar a cena.

Sem atalhos fáceis, “A Mulher da Fila” acompanha o percurso de alguém que aprende a falar a língua do Estado para tentar salvar o filho. Cada carimbo, cada senha e cada silêncio tem função dramática clara. O filme indica que a justiça também se decide no trajeto, preenchido por decisões pontuais que, somadas, podem reabrir portas. A resolução permanece fora do escopo, e o que fica é o mecanismo exposto e a forma como uma mulher, apoiada por outras, transforma uma fila em ferramenta de pressão contínua.

Filme: A Mulher da Fila
Diretor: Benjamín Ávila
Ano: 2025
Gênero: Biografia/Crime/Drama/Suspense
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★