Thriller viciante com Anthony Hopkins e Ryan Gosling, na Netflix, que você vai querer devorar Divulgação / Metropolitan FilmExport

Thriller viciante com Anthony Hopkins e Ryan Gosling, na Netflix, que você vai querer devorar

Alguns homens confundem genialidade com poder. Ted Crawford (Anthony Hopkins), por exemplo, acredita que inteligência é licença para brincar com a vida alheia, e o filme “Um Crime de Mestre” transforma esse tipo de desvio narcisista em espetáculo. O que começa como um crime à queima-roupa, cometido com a frieza calculada de quem desmonta uma máquina, logo se revela um duelo onde o ego dita as regras e a moral é mero adorno. E o mais curioso é que, durante boa parte da história, tendemos a acompanhar o jogo com um sorriso ladeado de culpa: há algo fascinante em observar um homem que pensa dominar até as falhas do próprio destino.

O filme investe na tensão entre dois predadores que ainda não decidem quem será a presa. De um lado, Crawford, milionário autodidata, inventor, alguém que transformou intelecto em fortaleza. Do outro, Willy Beachum (Ryan Gosling), jovem promotor de carreira meteórica, tão apaixonado pelo próprio sucesso que chega a esquecer que justiça não é troféu para pendurar na estante. Os dois são reflexos distorcidos do mesmo impulso: vencer para provar que podem. O caso jurídico vira coliseu, e cada audiência parece um golpe bem ensaiado para ferir o orgulho, não a lei.

Há um componente quase filosófico nessa disputa. Crawford opera com a precisão dos que acreditam que o mundo é um grande tabuleiro, e que tudo pode ser calculado, inclusive o que resta de vida em uma mulher traída e silenciada em uma cama de hospital. Ele comete o crime assumidamente, entrega a arma, confessa como quem apenas apresenta um equívoco mecânico engraçadinho. Beachum, por sua vez, encara essa confiança excessiva como uma afronta pessoal: seu histórico de vitórias dá a ele a ilusão de que nunca será derrubado. A queda, quando vem, não é apenas profissional, é existencial.

O design luxuoso da narrativa não é gratuito. Carros polidos, escritórios que brilham sob luz artificial e ternos que jamais amarrotam: tudo forma uma espécie de mise-en-scène do capitalismo meritocrático, onde quem possui mais recursos acredita possuir também a verdade. A estética da ostentação não está ali só para encantar o espectador; ela denuncia a crença de que a justiça é acessório de quem pode comprá-la. O tribunal vira vitrine, a lei, espetáculo, e nós, público, cúmplices seduzidos.

Anthony Hopkins se diverte como Crawford com um magnetismo perigoso. Há nele algo que lembra um demiurgo cansado de não ser reconhecido. Cada expressão soa como provocação: tente me alcançar. Já Ryan Gosling encontra em Beachum um terreno fértil para explorar a ironia de um homem que descobre ser menos brilhante do que imaginava. A transformação do personagem, do profissional autossuficiente ao sujeito obcecado em derrubar um criminoso que o humilhou, é uma das peças mais instigantes do filme. Um arco que retira dele a vaidade e o devolve à humanidade.

Se existe fraqueza, ela nasce quando o roteiro tenta introduzir um romance que evapora antes de começar, como se o próprio filme percebesse que qualquer distração afetiva diminuiria a intensidade da disputa. No fundo, “Um Crime de Mestre” não é história de amor, mas da erotização da inteligência: o desejo aqui é vencer, subjugar, provar que o outro não é tão invencível quanto parece.

Ainda que alguns twists sejam previsíveis para olhares mais atentos, o prazer está menos na surpresa e mais no caminho até ela. A justiça no filme não chega como resposta heroica, mas como consequência de pequenas rachaduras que o orgulho não conseguiu vedar. Crawford, afinal, acreditava ter projetado um crime impossível de punir. Mas até os engenheiros mais brilhantes cometem um erro banal: subestimam aquilo que não podem controlar. Pessoas, por exemplo.

“Um Crime de Mestre” deixa um pensamento incômodo no ar: a linha que separa ética e vaidade é tão frágil quanto o vidro que Crawford domina com maestria. E quando ela trinca, a verdade aparece não porque alguém é mais inteligente, mas porque o controle absoluto é ficção, e toda ficção, cedo ou tarde, desaba sob o peso da realidade.

Filme: Um Crime de Mestre
Diretor: Gregory Hoblit
Ano: 2007
Gênero: Crime/Drama/Suspense
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★