“Frankenstein”, adaptação cinematográfica de Guillermo del Toro do romance de Mary Shelley, publicado em 1818, é, sem dúvidas, um dos filmes mais aguardados de 2025. Desde o princípio, o realizador já alertava em suas entrevistas que este “não era um filme de terror”. E, apesar de influências sombrias sempre estarem presentes em suas obras, “Frankenstein” absorve elementos do gótico literário dos séculos 18 e 19, além da atmosfera melancólica e romântica de Shelley. A ideia é dar ao filme um tom mais trágico do que de horror.
Essencial para o resultado final primoroso do longa-metragem foi a participação de Jacob Elordi como a criatura. Durante muito tempo, Andrew Garfield estava confirmado para o papel, mas teve de deixar o projeto em cima da hora por conta de conflitos de agenda. E, embora o problema deva ter parecido grande para os produtores à época, acabou sendo favorável ao filme. Elordi se tornou fundamental para dar a identidade que o longa possui. Afinal, como o próprio Del Toro disse em entrevistas, o ator guarda no olhar uma inocência e uma raiva, exatamente o que caracteriza seu personagem.
Com influências expressionistas, como “Nosferatu”, de Murnau, e “O Gabinete do Dr. Caligari”, além de “Drácula de Bram Stoker”, de Francis Ford Coppola, pinturas de Goya, Fuseli e Francis Bacon, Del Toro utiliza uma paleta fria e contrastada, com predominância de verdes e azuis dessaturados, ocres, sépia e um preto profundo. A fotografia de Dan Laustsen, com quem já trabalhou em “A Forma da Água” e “O Beco do Pesadelo”, apresenta iluminação difusa que remete à luz de velas, cenários esfumaçados, repletos de neblina e uso expressivo de superfícies envidraçadas. A torre utilizada por Victor Frankenstein (Oscar Isaac) é concebida com estética pré-industrial, com grande presença de ferro e pedra. Também é possível perceber o romantismo de Mary Shelley na natureza: o sublime, as montanhas, tempestades e geleiras como estados de espírito.
Se, por um lado, o romance de Shelley tem como centro narrativo o nascimento do sujeito moderno, refletindo sobre como a ciência ultrapassa os limites da religião e da ética, e a percepção do “eu” rejeitado, Del Toro transforma o cientificismo em arrogância e torna o sofrimento da criatura algo além do vitimismo: ele é um ser em conflito moral. É o olhar do outro que o transforma em monstro, remetendo à identidade construída socialmente, na filosofia de Judith Butler. O corpo é uma prisão, e ele está condenado a buscar significado em um mundo que o rejeita.
Se, para Shelley, Victor é um Prometeu moderno, punido por desafiar os deuses, para Del Toro ele é um pai que se tornou reflexo do seu próprio pai, que o abandonou emocionalmente. Shelley trata do Iluminismo tardio; Del Toro fala de trauma geracional. O pai de Victor, ao ensiná-lo medicina, o punia quando ele, ainda garoto, não sabia a resposta certa. Victor desumaniza a criatura porque acredita que ela seja desprovida de inteligência. Para ele, a criatura é incapaz de conhecer o mundo, porque repete apenas a palavra “Victor”, sem aprender outras. Sem saber, no entanto, que “Victor” significa o mundo para a criatura.
Além das atuações extraordinárias de Oscar Isaac, Jacob Elordi e Mia Goth, uma das maiores qualidades do filme, que foi desenvolvido por Del Toro ao longo de aproximadamente 25 anos, é a produção criativa que prioriza o uso de efeitos práticos. Embora algumas cenas possam parecer CGI, Del Toro destacou que o filme utiliza intensivamente cenários reais, maquiagens práticas, figurinos meticulosos e ambientação artesanal. Jacob Elordi chegava às 22h para maquiagem e passava a noite se preparando para as gravações na manhã seguinte. A torre onde fica o laboratório de Victor foi construída fisicamente para o filme. Elordi estudou butô (dança japonesa) para criar os movimentos do personagem e canto gutural mongol para dar a entonação da voz.
“Frankenstein” é uma superprodução da Netflix, com orçamento estimado em cerca de 120 milhões de dólares, e teve estreia limitada nos cinemas antes da chegada ao streaming, prevista para novembro de 2025. Porém, não foi apenas o investimento que tornou esse filme um dos projetos mais ambiciosos do ano, mas a dedicação intensa da equipe, a devoção de Del Toro e a entrega dos atores.
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