No contexto da comemoração do 10º aniversário da libertação dos campos de concentração nazistas, instituições francesas ligadas à memória da Segunda Guerra Mundial encomendaram ao cineasta Alain Resnais um documentário que expusesse os crimes cometidos durante o Holocausto e provocasse reflexão sobre a memória, responsabilidade e repetição do horror. Havia, ainda, um objetivo pedagógico em realizar um filme sobre isso: oferecer às gerações vindouras um testemunho visual forte, que combinasse imagens de arquivo com tomadas em cores no local para mostrar que o passado não está longe.
“Noite e Neblina” foi lançado em 1956. O título alude ao decreto alemão de mesmo nome, assinado em 7 de dezembro de 1941, estabelecendo o desaparecimento clandestino de opositores do Terceiro Reich. O sentido é o de ocultação, mas no caso do filme, da memória. Com roteiro de Jean Cayrol, um sobrevivente do campo de Mauthausen, e narrado por Michel Bouquet, o filme de 32 minutos mescla imagens em preto e branco com coloridas, alternando entre o passado e o presente, contrapondo a violência e a tranquilidade atual do local.
Além do financiamento, o material foi possibilitado por instituições memorialísticas francesas. Resnais utilizou arquivos reais poloneses, soviéticos, holandeses e franceses, mas não conseguiu obter as imagens feitas pelos exércitos dos Estados Unidos e da Inglaterra. Sabe-se que, durante a montagem do material, Resnais e toda a sua equipe vivenciaram fortes desgastes emocionais, pesadelos, náuseas e dúvidas morais sobre a montagem.
De fato, quando se assiste ao documentário, o espectador é impactado pelas cenas reais de extrema violência. São explícitas imagens de extermínios, nudez, corpos extremamente magros e feridos pelas terríveis condições dos campos, crianças órfãs, escavadeiras arrastando os corpos decrépitos até as covas coletivas, cabeças arrancadas, peles removidas, experimentos macabros com humanos, montanhas de cabelos de mulheres mortas usados para fins têxteis, as paredes das câmaras de gás sulcadas de unhas das vítimas, dentre outras situações indescritíveis que são amenizadas pelo preto e branco, mas que, se coloridas, seriam claramente impossíveis de serem veiculadas, devido ao alto teor de violência.
Com trilha sonora de Hanns Eisler, a música traz uma abordagem contraditória, que às vezes destoa da cena justamente para que o espectador seja forçado a pensar. Ela tem um papel de testemunho sonoro e se comporta como alguém comentando, ao invés de servir como pano de fundo e manipular emoções. Os enquadramentos estáticos sugerem um lugar petrificado pela memória. As imagens de arquivo têm objetivo claro de chocar o público. A montagem cria um diálogo temporal e uma tensão ética.
“Noite e Neblina” quase foi censurado por expor colaboradores franceses, que foram reconhecidos nas imagens. A embaixada da Alemanha tentou barrar a exibição do filme em Cannes, mas sem sucesso. Em Israel, a crítica foi devido à escolha “universalizante” das vítimas, ao invés de especificar os judeus. Apesar das polêmicas, o filme é um marco do cinema documental e ainda serve como objeto de estudo em universidades sobre o Holocausto.
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