Em “Cartas para Julieta”, o romanticismo não é tratado como ilusão juvenil, mas como herança emocional que atravessa décadas e geografias. A Itália funciona quase como um oráculo, oferecendo aos viajantes aquilo que eles nem sabiam que estavam buscando: coragem para admitir suas insuficiências afetivas. E, convenhamos, não existe hedonismo mais genuíno que o de apostar, ainda que secretamente, que o amor pode ser, sim, uma forma de inteligência que persiste quando todas as outras fracassam.
Sophie, interpretada com brilho radiante por Amanda Seyfried, é o retrato daquela geração que se refugia no controle para evitar frustrações. Ela fiscaliza fatos no New Yorker como quem fiscaliza a própria alma, temendo qualquer emoção que não caiba em planilhas. Ao viajar para Verona com o noivo, um chef obcecado por fornecedores e elogios gastronômicos, descobre que o romance da sua vida talvez não esteja ao seu lado, mas num passado que não é seu, pelo menos ainda não. O que deveria ser uma pré-lua-de-mel se transforma em jornada de autoconhecimento, dessas que nos pegam pela mão e, sem pedir licença, desmontam certezas.
E é então que surge Claire, a grande senhora interpretada por Vanessa Redgrave, cuja presença em cena carrega um tipo raro de dignidade. Ao encontrar uma carta que escreveu cinquenta anos antes, pedindo conselho à fictícia Julieta, ela embarca com Sophie numa busca quase quixotesca por um homem chamado Lorenzo Bartolini, ou melhor, dezenas deles. Não há pressa, apenas a firmeza de quem não aceita que o tempo determine o que foi vivido como definitivo. Em cada rosto encontrado, há a lembrança das incontáveis vidas que desperdiçam a possibilidade de uma grande história apenas por falta de ousadia.
O filme dedica tempo à delicadeza de duas mulheres que se reconhecem em espelhos diferentes da mesma pergunta: onde está aquilo que me faz vibrar? O neto Charlie, inicialmente áspero e desconfiado, torna-se cúmplice e, inevitavelmente, par romântico de Sophie. Não porque o roteiro exija um casal jovem para equilibrar o par idoso, mas porque o amor, quando percebido no outro, contagia e exige repetição. Ele começa a desmoronar seus escudos sarcásticos enquanto ela descobre que pode querer mais do que uma vida organizada e correta. É bonito observar como ambos lutam, mesmo sem admitir, contra a ideia de se contentar.
Se há quem torça o nariz para romances pelo suposto excesso de açúcar, ”Cartas para Julieta” responde com simplicidade elegante: às vezes açúcar é exatamente o nutriente que falta. O sentimental não precisa ser ingênuo; pode ser escolha racional de quem compreendeu que existimos para buscar prazer, companhia e sentido. Verona, com seus muros repletos de súplicas amorosas, funciona como templo do desejo humano de permanecer inesquecível para alguém.
A pergunta que fica no espectador tem pouco a ver com finais felizes e muito mais com a nossa covardia cotidiana: quantas cartas guardamos atrás de tijolos internos, esperando que o acaso as resgate? A coragem dessas duas mulheres não está na viagem pela Itália, mas no gesto de enfrentar a própria possibilidade de felicidade. E esse, por mais que alguns neguem, sempre será o maior ato político do amor.
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