Se há algo que os aficionados por true crime precisam entender antes de mergulhar em “O Monstro de Florença” é que a Itália dos anos 60, 70 e 80 não era Hollywood, nem mesmo o CSI mais criativo teria resolvido aquele quebra-cabeça. A série da Netflix, em quatro episódios precisos, captura essa realidade com uma elegância tensa, misturando o horror de crimes reais com a burocracia e o absurdo de um sistema judicial muitas vezes cego diante do óbvio. Quem espera convenções narrativas americanas de investigação criminal vai se sentir desconcertado; mas isso não é falha de roteiro, é fidelidade à verdade, crua e desconfortável.
O mérito da produção está em sua capacidade de equilibrar factualidade e emoção. Stefano e Francesco encarnam com sutileza a angústia, a obsessão e o medo que perpassavam a época, conferindo humanidade a uma narrativa que poderia facilmente se reduzir a estatísticas de crimes. Cada cena pulsa autenticidade: o ritmo, cuidadosamente calibrado, mantém o espectador em tensão constante, e a atmosfera, pesada, quase palpável, transforma a banalidade do cotidiano italiano da época em um personagem por si só, lembrando que o horror nem sempre é explosivo, muitas vezes é silencioso e cotidiano.
Por outro lado, a escolha da série de focar nos dramas relacionais dos suspeitos e omitir personagens centrais dos crimes, os condenados Pacciani, Vanni e Lotti sequer aparecem, gera frustração. Para quem conhece a história, o impacto emocional da narrativa se dilui. Poderia ter sido uma obra-prima televisiva se tivesse adotado outro ponto de vista, mais amplo, contextualizando o medo coletivo e a obsessão investigativa que marcaram décadas. É impossível não imaginar uma versão expandida, oito episódios ao estilo de Ryan Murphy, em que a complexidade humana e histórica da história se transformasse em espetáculo de tensão e insight psicológico.
O que sobra, no entanto, é um produto de altíssima qualidade: direção meticulosa, roteiro afiado e performances memoráveis. A série não se limita a contar crimes; ela propõe um olhar sobre o medo, a obsessão e a falibilidade humana diante do inexplicável. Para quem busca compreensão do fenômeno real e não da narrativa fácil, “O Monstro de Florença” é irresistível. Mas aviso: a frustração por omissões estratégicas é inevitável, e talvez isso seja, ironicamente, parte do aprendizado de mergulhar na Itália daqueles anos, onde nem a polícia, nem a justiça, nem a narrativa convencional tinham controle sobre o monstruoso que assombrava suas paisagens.
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