Recém-saída da prisão, Debbie Ocean elabora um plano para roubar um colar de alto valor durante um evento de gala, mirando também um acerto de contas com o passado. Para executar a ideia, convoca especialistas em áreas distintas e monta uma operação cuja força está na confiança, na leitura dos ambientes e no domínio de rotinas do mundo da fama. A trama de “Oito Mulheres e um Segredo” foca esse gesto coletivo, alternando preparação e execução, sem revelar de antemão todas as cartas e preservando a expectativa sobre as margens de risco e as possíveis reviravoltas.
Com direção de Gary Ross, o filme reúne Sandra Bullock, Cate Blanchett, Anne Hathaway, Helena Bonham Carter, Sarah Paulson, Rihanna, Awkwafina e Mindy Kaling. O elenco sustenta a dinâmica do golpe e injeta personalidade nas etapas do plano. Bullock compõe uma líder que prefere o silêncio ao espalhafato e trabalha a partir de pequenos deslocamentos de olhar. Blanchett aparece como parceira estratégica e imprime segurança na gestão do time. Hathaway brinca com a persona pública de estrela, explorando ironia e vaidade como instrumentos de cena. Bonham Carter oferece comicidade nervosa a uma estilista em apuros profissionais, enquanto Paulson equilibra vida doméstica e talento logístico com naturalidade. Rihanna assume o papel de especialista em tecnologia, Awkwafina domina truques de rua e Kaling aplica técnica cuidadosa de joalheria.
A linha narrativa aposta na clareza dos objetivos: infiltrar-se em um evento cercado por protocolos, estudar rotas internas, driblar vigilância e transformar a aparência em ferramenta de acesso. Cada integrante contribui com um procedimento específico, e a coesão do grupo nasce da soma dessas tarefas. Não há pressa excessiva; o filme prefere a cadência estável de etapas bem definidas, o que reforça a sensação de profissionalismo. Essa escolha impacta a experiência de suspense, menos pautada pelo perigo iminente e mais pela observação de procedimentos e contramedidas, como se o jogo estivesse em decifrar pessoas e sistemas de segurança antes de qualquer movimento.
A comédia aparece em comentários secos e em pequenos atritos de temperamento, sem diluir a seriedade da empreitada. Anne Hathaway tira proveito do magnetismo de sua personagem para confundir expectativas externas, e seu arco, além de divertido, tem função estrutural na operação. Helena Bonham Carter dosa insegurança e oportunismo com tempo bem calculado, enquanto Awkwafina injeta leveza e sagacidade nas passagens em que a destreza manual se torna determinante. Sarah Paulson funciona como âncora pragmática, conferindo ao grupo a dimensão de logística cotidiana que dá verossimilhança a tarefas improváveis. Rihanna, com poucos gestos e humor discreto, constrói a confiança necessária para que o sistema tecnológico não falhe. Mindy Kaling, por sua vez, trabalha a paciência técnica das mãos que lidam com metais e pedras raras, detalhando o cuidado quase invisível que viabiliza o plano.
Gary Ross privilegia enquadramentos limpos, que permitem acompanhar a circulação por salões, corredores de serviço e bastidores do espetáculo social. A fotografia valoriza brilhos, tecidos, reflexos e superfícies que remetem à ideia de status. O desenho de som destaca chaves, fechaduras, softwares, passos abafados e sussurros que orientam a atenção do público para ações discretas. A montagem opta por transições que esclarecem, em vez de confundir, e raramente acelera sem motivo claro. O resultado favorece o entendimento de cada movimento, evitando truques gratuitos e preservando a curiosidade sobre como tudo se encaixará a cada etapa do roubo.
A herança da série iniciada por Steven Soderbergh é reconhecível, seja no humor lateral, seja na divisão do plano em blocos. A diferença central está no foco. Aqui, cooperação e imagem pública ganham centralidade. As protagonistas precisam parecer pertencer a um circuito de luxo e, ao mesmo tempo, ocultar os objetivos reais por trás de sorrisos, fotos e deslocamentos controlados. O filme usa essa duplicidade para comentar, com leve ironia, o valor social de nomes, marcas e convites. A performance social vira senha de acesso, e o crime se confunde com etiqueta de evento.
Esse desenho dramatúrgico gera consequências. O perigo nunca some, mas fica contido, embalado por regras claras e pela confiança no talento do grupo. Quem busca tensão de alto desgaste físico encontrará uma proposta diferente, orientada por inteligência prática e pela capacidade de cada personagem de ler situações. Quando imprevistos aparecem, a narrativa responde com criatividade plausível, mantendo a operação em curso sem recorrer a atalhos mágicos. A opção por evitar violência gratuita alinha o filme a uma tradição do subgênero em que charme, rapidez mental e colaboração valem mais do que confrontos frontais.
Há, porém, limitações visíveis. A linha policial que acompanha o caso carece de densidade e poderia explorar melhor deduções e cruzamentos de pistas. Algumas conveniências ajudam a fechar lacunas e preservam a leveza geral, às vezes em detrimento de maior atrito dramático. Ainda assim, a escolha mantém a obra no registro de entretenimento urbano, sustentado por carisma e aplicação meticulosa de habilidades. O humor não invade tudo, e o plano não perde de vista as regras básicas de plausibilidade, o que preserva a confiança do público em decisões tomadas sob pressão.
O figurino funciona como argumento, não apenas como ornamento. Roupas e joias orientam deslocamentos, acobertam propósitos e criam distrações calculadas. O trabalho do departamento de arte conversa com essa lógica, traçando percursos em que portas, divisórias e salas de apoio definem tempos de ação e pontos de retorno. Nada disso exige explicações didáticas, porque a encenação guia o olhar para sinais úteis: crachás, olhares de segurança, filas, mesas, passagens discretas. Essa cartografia física é parte do prazer do assalto e ajuda a justificar soluções que dependem de antecipação e sangue-frio.
Quando o assalto caminha, a química entre Sandra Bullock e Cate Blanchett sustenta a liderança dupla que administra recursos, atenções e humores. Anne Hathaway acrescenta um jogo de espelhos que amplia as possibilidades de engano sem quebrar a lógica interna. Helena Bonham Carter, Sarah Paulson, Rihanna, Awkwafina e Mindy Kaling completam o conjunto com variações de humor e técnica, formando uma equipe cuja diversidade de habilidades é central para o êxito do plano. O interesse cresce na medida em que cada uma precisa executar uma tarefa sem chamar atenção desnecessária.
Sem revelar resultados, basta dizer que o filme encerra a operação com coerência em relação à proposta. A ênfase recai menos sobre punições exemplares e mais sobre a satisfação de ver pessoas que sabem o que fazem atingindo objetivos com discrição. Em “Oito Mulheres e um Segredo”, o assalto vira comentário sobre fama e trabalho invisível, e a pergunta que fica é direta: em um mundo guiado por holofotes, que recompensa pesa mais na balança, dinheiro ou reconhecimento?
★★★★★★★★★★


