Pare tudo e assista: o melhor filme do fim de semana está na Netflix — e vai te arrancar risadas de um jeito diferente Divulgação / Netflix

Pare tudo e assista: o melhor filme do fim de semana está na Netflix — e vai te arrancar risadas de um jeito diferente

Um avião comercial japonês é tomado em pleno voo, os sequestradores exigem pouso em Pyongyang e a ameaça se espalha por gabinetes, pistas e torres de controle. Para evitar um massacre e um incidente diplomático, autoridades sul-coreanas criam um plano improvável: transformar Seul na capital norte-coreana por algumas horas, enganando os criminosos com sinais visuais, sonoros e protocolos encadeados. É a partir desse truque que “Good News” avança, sempre medindo a distância entre o que se diz e o que se faz quando câmeras, militares e emissários disputam a posse da verdade.

Dirigido por Byun Sung-hyun, “Good News” tem Sul Kyung-gu, Hong Kyung e Ryoo Seung-bum à frente do elenco. Sul interpreta o enigmático “Ninguém”, operador experiente que surge quando o caos exige soluções fora do manual. Hong vive Seo Go-myung, controlador convocado às pressas, técnico rigoroso que aprende a negociar com agendas políticas. Ryoo encarna o chefe de inteligência, figura que empurra a ação adiante e avalia ganhos e perdas com frieza. O conjunto estabelece um triângulo dramático capaz de sustentar longas negociações sem perder tração.

A narrativa avança em sequência de tarefas: detectar, confirmar, comunicar, deliberar. Em vez de apostar em destruição em larga escala, o filme acompanha mesas de crise, bases de defesa e salas de monitoramento, lugares onde estatísticas e mapas ganham valor dramático. O relógio dita o ritmo, e a história se concentra no que pode ser feito com os dados disponíveis, sem afetação oratória. Quando uma informação chega truncada, a cadeia de comando precisa decidir se aguarda a checagem ou se avança para a próxima etapa, ciente de que cada passagem de tempo altera o cenário.

As atuações sustentam essa dinâmica. Sul Kyung-gu encontra um tom de carisma cansado, típico de quem conhece atalhos, mas entende que o azar pode derrubar o plano mais bem desenhado. Hong Kyung traduz o olhar de quem confia em dados e sente o peso de dobrar a realidade para proteger vidas. Ryoo Seung-bum funciona como válvula de pressão, lembrando a cada reunião que reputação, hierarquia e cálculo internacional contam tanto quanto a segurança imediata. Essa triangulação permite que cenas longas de conversa mantenham temperatura e ritmo.

A construção de época colabora para a credibilidade. Escritórios carregados de fumaça, vidro jateado, fios à mostra e painéis analógicos compõem um retrato material do período. A fotografia de Jo Hyoung-rae aposta em interiores amarelados e hangares com tons industriais, sem cair em cartão-postal vintage. O som trabalha interferências de rádio, bipes e passos apressados como trilha da ansiedade, enquanto a música de Kim Tae-seong entra com parcimônia, acelerando quando uma informação altera a leitura dos riscos. Com cerca de 2h16, o longa mantém foco em interiores e procedimentos dos anos 1970.

Há inteligência na forma como o filme dialoga com um episódio histórico conhecido, sem compromisso documental estrito. O roteiro troca nomes, condensa eventos e enfatiza a fabricação de consenso acima da reconstituição literal. Essa escolha mantém a narrativa ágil e permite que a comédia morda onde dói: bastidores que pensam primeiro na própria imagem e só depois nos fatos. A sátira nunca se afasta do possível; ao contrário, encontra verossimilhança no pragmatismo dos que topam mentir para evitar um desastre, ainda que o crédito final acabe em mãos convenientes.

Nem tudo funciona com a mesma precisão. A duração se alonga em discussões que repetem argumentos já sugeridos por olhares, gestos e disposições de sala. Em determinados núcleos, o humor escuro derrapa para caricaturas fáceis, com assessores que entram e saem para marcar uma piada ou um slogan e somem sem deixar rastro dramático. Falta fôlego a personagens laterais que mereciam tempo de tela compatível com o efeito que produzem no tabuleiro, em especial mulheres em funções operacionais e de mídia, que aparecem com funções claras, mas raramente voltam quando as consequências pedem retorno.

Ainda assim, o filme preserva a clareza do movimento central: transformar aparência em ferramenta de contenção. Uma sequência em particular deixa isso evidente quando placas, alto-falantes e figurinos precisam “provar” a cidade errada em poucos minutos. A graça de humor escuro nasce não do deboche contra os sequestradores, mas do risco de um detalhe banal arruinar o todo. Ao expor o backstage da mentira, Byun evita moralismos fáceis e deixa o público acompanhar as escolhas que permitem que um plano improvável não desmorone por desatenção.

O texto visual privilegia rostos e superfícies de trabalho: mapas com anotações, xícaras marcando relatórios, luzes que piscam enquanto alguém pondera se é melhor esperar confirmação ou agir para ganhar tempo. Essa insistência no concretamente verificável mantém a narrativa ancorada no que se pode medir — quantas ligações, quantos minutos, quantas autorizações — e evita que o comentário político vire discurso abstrato. O humor nasce do atrito entre ambição, medo e vaidade, sem recorrer a frases de efeito como resposta para dilemas espinhosos.

À medida que o avião se aproxima do destino imposto e das falsas coordenadas, o roteiro amplia a sensação de que ninguém controla tudo. O operador mais intuitivo depende da eficiência de quem liga um cabo, do piloto que lê um painel, do motorista que dirige no ritmo certo. O controlador mais meticuloso precisa conviver com ruídos de comunicação e ordens contraditórias. A inteligência institucional, na prática, é a soma de pequenos acertos que podem falhar quando a luz de uma sala apaga na hora errada. É nesse ambiente que a comédia encontra espaço para morder sem aliviar.

Quando a operação atinge seu objetivo imediato, a pergunta que fica gira em torno de autoria e reconhecimento: quem assina um êxito que não pode ser anunciado? O operador que prefere o anonimato entende a ironia de trabalhar para desaparecer, enquanto o controlador descobre que a dignidade do ofício, muitas vezes, é silenciosa. O riso, aqui, não cancela a inquietação; só desloca o foco para a próxima crise que pedirá outro arranjo de versões, em algum lugar onde placas e vozes novamente definam o que parece verdadeiro por alguns minutos a mais.

Filme: Good News
Diretor: Byun Sung-hyun
Ano: 2025
Gênero: Ação/Comédia/Crime/Mistério/Thriller
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★