Lançado pela Netflix em 2025, thriller de ação é o filme alemão mais visto de todos os tempos no streaming mundial Divulgação / Netflix

Lançado pela Netflix em 2025, thriller de ação é o filme alemão mais visto de todos os tempos no streaming mundial

Uma mulher chega ao Consulado dos Estados Unidos em Frankfurt com o filho pequeno e a pauta prática de um dia qualquer; minutos depois, a criança desaparece, o nome dela some dos registros e o que parecia atendimento rotineiro vira um labirinto de negativas, câmeras cegas e portas que não se abrem. A partir desse ponto, “Exterritorial” assume a forma de thriller de espaço controlado: uma protagonista treinada para agir sob pressão tenta provar que não enlouqueceu enquanto confronta seguranças, funcionários e protocolos que a tratam como problema, não como mãe em desespero. O diretor Christian Zübert desenvolve essa premissa com foco na progressão de obstáculos e no escalonamento de riscos, sustentado por um trio de intérpretes em papéis decisivos: Jeanne Goursaud, como a ex-militar Sara; Dougray Scott, como autoridade consular que atua na zona cinzenta; e Lera Abova, presença que amplia as ambiguidades do enredo. Distribuído pela Netflix, lançado em 30 de abril de 2025, o filme amplia o alcance internacional e reforça o apelo do formato.

A narrativa avança por marcos sucessivos: cada passo exige um documento, um código, um acesso; cada recusa empurra a protagonista para escolhas mais agressivas. O desenho de ação valoriza a compreensão do espaço — corredores, escadas, salas espelhadas — e a relação entre proximidade física e hierarquia. Em vez de edições truncadas, o filme prefere planos que mantêm o corpo em quadro tempo suficiente para que a coreografia se torne legível, escolha que evita a confusão comum do gênero. Essa clareza serve tanto aos embates corporais quanto às negociações em voz baixa, nas quais uma pergunta mal colocada pode comprometer o movimento seguinte.

Jeanne Goursaud sustenta a travessia com uma composição que equilibra técnica e falha humana. O olhar que busca saídas, a respiração que procura controle, a reação a microagressões institucionais — tudo sugere alguém preparado, mas atingido por um trauma que influencia escolhas sem funcionar como desculpa para o que vem adiante. Dougray Scott aposta em um registro econômico, de frases medidas e opacidade calculada, útil para manter a dúvida no ar. Lera Abova adiciona frieza e cálculo sem cair no unidimensional, compondo uma figura que observa e testa limites sem estardalhaço. Esses desempenhos oferecem leituras distintas para a mesma situação: uma mulher que pede ajuda em ambiente programado para reduzir sinais e suprimir evidências.

Entre as virtudes, destaca-se a coerência com que o filme traduz burocracia em dramaturgia. A cada balcão, nova regra; a cada sala, um guardião. O suspense nasce menos do tamanho das armas e mais do poder de quem decide o que existe no papel. A ambientação consular rende bons achados visuais — a impessoalidade de mobílias, a assepsia dos corredores, a vigilância que parece total até o momento em que convém falhar — e sustenta a sensação de que o território está perto e longe ao mesmo tempo, protegido por vários níveis de procedimento e linguagem técnica. A trilha e o desenho de som evitam manipulação gratuita: ruídos de rádio, batidas controladas, portas que vedam conversas compõem a textura auditiva de um espaço onde o silêncio pesa.

Há também cuidado na administração de informação. “Exterritorial” dosa revelações com parcimônia, permitindo que a protagonista teste hipóteses enquanto esbarra em versões oficiais que a desautorizam. Em certos trechos, a câmera acompanha a personagem com proximidade que lembra a física de jogos táticos, aproximando o público da lógica de varredura, cobertura e avanço. Quando a ação explode, o filme preserva impacto sem abandonar o princípio de legibilidade. Esse compromisso com clareza visual favorece a compreensão do risco e fortalece a ideia de que técnica, aqui, é estratégia de sobrevivência, não espetáculo.

As limitações aparecem no conjunto de coincidências que reduz a credibilidade de algumas viradas. Há pistas reaproveitadas mais de uma vez, como se o roteiro temesse apostar em silêncios ou em tempo morto, e certos antagonistas soam funcionais demais, com motivações despejadas em blocos que não conversam com a ambivalência construída até ali. Em momentos pontuais, a narrativa confia no tropeço alheio para salvar a protagonista, expediente que enfraquece a relação de causa e efeito erguida passo a passo. Também se nota uso repetitivo de obstáculos logísticos — cartões, senhas, portas — que poderia ceder lugar a conflitos éticos mais ásperos entre os agentes do consulado.

Ainda assim, a proposta mantém fôlego. O filme alterna passos largos e pausas de observação; permite que a protagonista erre e recalcule; usa o espaço como personagem, sem sublinhar com frases explicativas. A opção por um ambiente único e a premissa de questionamento da sanidade — ninguém mais viu, ninguém mais registrou — dialogam com um repertório conhecido do subgênero, mas a execução ganha personalidade ao ancorar tudo na experiência de uma mãe treinada para a guerra que encontra, no atendimento público, outra forma de combate. A dimensão política está presente, sem tom didático: soberania, jurisdição, extraterritorialidade e relações de poder aparecem como obstáculos concretos, não como temas encapsulados.

Como suspense de ação, “Exterritorial” oferece uma experiência direta, centrada em objetivos claros, com atenção à fisicalidade e ao desgaste mental de quem insiste em ser ouvida quando o sistema prefere registrar silêncio. Sobressaem a disciplina dos enquadramentos, o respeito às regras internas e um elenco que joga para dentro, sem grandiloquência. Permanecem arestas na dependência de coincidências e na simplificação de certos vilões, pontos que impedem voo mais alto. A jornada, porém, guarda densidade suficiente para sustentar a tensão até os instantes decisivos e deixar no ar uma questão incômoda: o que vale uma prova quando a instituição controla a existência do próprio fato.e

Filme: Exterritorial
Diretor: Christian Zübert
Ano: 2025
Gênero: Ação/Mistério/Thriller
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★