Há algo de perversamente libertador em assistir a um filme que não pretende ser mais do que pura brutalidade. “Terrifier” é esse tipo de criatura indecente: um espetáculo de sangue que dispensa justificativas morais, coerência narrativa ou qualquer verniz de bom gosto. Ele existe por prazer, o prazer de chocar, mutilar e rir de quem leva o horror a sério demais. E é justamente nesse excesso que mora sua estranha autenticidade: Damien Leone não está tentando ser elegante; está apenas se divertindo em meio às entranhas, e essa honestidade brutal o salva do ridículo.
A figura central desse massacre é Art, o palhaço mudo que transforma o sadismo em performance. Ele não mata apenas, ele encena, com uma espécie de deleite infantil e cruel, a humilhação dos corpos que atravessam seu caminho. Art é o oposto da racionalidade que o cinema de terror moderno insiste em procurar: não tem trauma, não tem redenção, não quer explicar nada. O riso dele é o riso de quem já entendeu que o medo é um espetáculo e que o espectador, cúmplice, paga para vê-lo repetir-se até o enjoo.
A primeira metade do filme é, curiosamente, o ponto em que Leone demonstra um certo controle do caos. Há ritmo, há tensão, há até uma sensação de que o horror pode significar algo além do sangue. A protagonista, interpretada por Jenna Kanell, encarna aquela resistência primária, o instinto de quem corre, não por heroísmo, mas porque quer continuar existindo. Nesse intervalo, o filme parece flertar com o suspense clássico, o jogo de gato e rato que Hitchcock transformou em arte. Mas logo abandona tudo em nome do abate gratuito, e talvez aí esteja sua verdadeira coerência: “Terrifier” não quer ser elegante, quer ser grotesco até o limite da paródia.
O baixo orçamento, longe de ser obstáculo, é parte da estética. A iluminação suja, os cenários decrépitos e o sangue espesso funcionam como uma espécie de homenagem involuntária aos anos 1980, aquele tempo em que o horror ainda tinha textura, antes do CGI esterilizar o medo. Leone parece entender que o desconforto precisa ser artesanal. Cada víscera exposta é um gesto de teimosia contra a assepsia do horror digital, e essa recusa ao polimento é quase romântica.
Mas o filme também se sabota: o segundo ato se arrasta em repetições, as mortes perdem o impacto, e o choque cansa. A ausência de narrativa, que no início parecia libertadora, acaba revelando sua fadiga. Quando tudo é grotesco, nada mais espanta. A previsibilidade do horror torna-se, ironicamente, o seu esvaziamento. Ainda assim, há algo hipnótico na obstinação de Leone: ele parece filmar como quem desafia o próprio público a aguentar mais um minuto de barbárie.
”Terrifier” é um filme que não quer ser bom, e talvez por isso mesmo mereça ser visto. Em uma época em que o horror tenta se justificar pela metáfora ou pela moral, há algo de quase subversivo em um palhaço que mata apenas porque pode. Leone devolve ao terror o que o psicológico lhe roubou: o corpo. E o faz com uma sinceridade rara, suja e incômoda. O resultado é um delírio sanguinolento que não pede aplauso, apenas resistência, a do espectador, que precisa decidir se encara o grotesco ou se desliga antes do próximo riso de Art.
★★★★★★★★★★