Dois ex-namorados voltam a se ver depois de um rompimento que deixou marcas. O reencontro, cercado de amigos, plateias e interesses profissionais, reacende um jogo de aproximações e recuos, em que cada palavra dita em público pesa mais do que lembranças privadas. Em “Nossa Culpa”, dirigido por Domingo González, Nicole Wallace interpreta Noah e Gabriel Guevara vive Nick, casal que precisa avaliar se o que os unia resiste ao mundo adulto. O longa adapta o terceiro livro da trilogia, “Nossa Culpa”, de Mercedes Ron, e retoma um romance que agora convive com contratos, heranças e agendas lotadas.
A premissa é direta: anos depois da separação, eles se esbarram em um evento e descobrem que o tempo mudou prioridades. Ele assumiu obrigações herdadas e tenta provar valor em reuniões que exigem firmeza. Ela busca consolidar carreira e evitar que decisões alheias ditem rumos. O magnetismo ainda pulsa, mas o aviso “não confio em você” tem outro peso quando a vida cobra recibos. O roteiro monta esse embate em blocos que alternam sedução e retração, valorizando conversas tensas e silêncios que alongam dúvidas.
O filme parte do entendimento de que parte do público carrega a memória dos capítulos anteriores. Em vez de repetir brigas e reconciliações em sequência, prefere colocar a dupla em arenas novas: salas de reunião onde uma frase derruba semanas de negociação; festas que transformam ciúmes em queda de braço social; almoços familiares que cobram postura de adulto. Cada situação pede cálculo. O passado pede passagem, mas o presente exige consequências, e é nesse atrito que a história encontra fôlego.
Nicole Wallace constrói Noah com firmeza discreta, afinando o olhar e o ritmo da fala para indicar controle e ferida não cicatrizada. Sem discursos grandiloquentes, a personagem escolhe onde gastar energia, quando recuar e quando aceitar se expor. Gabriel Guevara evita o galante automático: seu Nick carrega ironias que funcionam como armadura, um orgulho que precisa ser negociado antes de qualquer gesto de vulnerabilidade. Quando se enfrentam, os dois sustentam tensão mais pela pausa do que pelo grito; o conflito se decide em detalhes de postura, distância e uma frase curta dita no tempo exato.
Os coadjuvantes servem de moldura a esse impasse. Amigos que viraram anfitriões de eventos funcionam como espelho do que amadureceu; executivos, assessores e familiares exibem quanto o dinheiro compra silêncio e fabrica lealdades. Existem figuras que interferem por conveniência, mas o foco permanece no eixo central. A montagem transita por esses círculos com clareza, sem perder o fio entre trabalho, família e desejo. Quando entra a música, não se busca anestesiar a tensão; a trilha apenas empurra a ação para a cena seguinte.
Visualmente, “Nossa Culpa” abandona a informalidade estudantil das origens para habitar ambientes controlados. Há salões com luz calculada, coberturas que refletem rostos no vidro e escritórios onde a cidade vira cenário. A fotografia valoriza cromados e brilhos noturnos, enquanto o figurino sugere ascensão social, distinções de hierarquia e tentativas de pertencimento. O desenho de produção preenche cada espaço com objetos que revelam pressa e status: crachás, taças, telas sempre acesas. Nada disso esconde a raiz melodramática do material; apenas confere uma moldura compatível com a fase de vida retratada.
Ao tratar de reconciliação, o filme recusa atalhos fáceis. O perdão, quando aparece, nasce de conversas específicas e de decisões observáveis: quem assume erro diante de plateia, quem liga primeiro, quem banca uma atitude impopular em mesa de diretores. Aceitar o outro pode significar abrir mão de uma versão ideal de si, e o romance se alimenta desses gestos discretos, não apenas de beijos e crises de ciúmes. O ciúme até aparece, mas rende pouco quando confrontado com a necessidade de trabalhar no dia seguinte.
A direção administra ritmo com atenção ao efeito de cada cena na seguinte. Sequências longas de diálogo recebem cortes que preservam posições no espaço e o desenho dos olhares. Passagens de festa evitam câmera frenética que transformaria tensão em fogos. Quando a narrativa acelera, o faz para produzir consequência concreta, não apenas barulho. Essa atenção ao encadeamento dá ao público a sensação de que escolhas deixam rastro, e que promessas feitas no calor da noite cobram fatura na manhã seguinte.
Há atalhos ocasionais, como um encontro oportuno ou um telefonema que resolve um impasse, mas a lógica das relações dá lastro ao conjunto. Feridas não desaparecem porque a música sobe, e ressentimentos não evaporam por causa de lembranças felizes. Quando as peças parecem se alinhar, entram em jogo dúvidas palpáveis: exposição na imprensa, interferência de terceiros, diferença entre o que se confessa em privado e o que se defende diante de investidores. Assim, gestos românticos convivem com planilhas e com a prudência de quem teme perder o que construiu.
Para quem acompanha a trajetória desde o início, “Nossa Culpa” soa como ponto de chegada emocional e de estilo. O romance que começou em velocidade juvenil agora negocia com hierarquias corporativas e com a exposição permanente nas redes. Crescer, aqui, significa redefinir a própria imagem e assumir que afeto sem responsabilidade vira lembrança. Para quem chega agora, há um drama romântico que se sustenta sem antecedentes: dois adultos testando se ainda querem a mesma coisa quando a vida exige escolhas verificáveis.
O fecho preserva a história pregressa e evita a sensação de gaveta trancada. Em vez de moral pronto-feita, restam decisões que cobram novos passos. Ao apagar das luzes, fica a imagem de um projeto de vida discutido com mais cabeça do que impulso, e a pergunta que não caduca: o que vale guardar quando a conquista traz embutidos que podem custar caro amanhã.
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