Uma jovem viúva tenta reorganizar a vida após a morte do companheiro e passa a receber cartas programadas por ele. Em “P.S. Eu Te Amo”, Hilary Swank e Gerard Butler dão corpo a esse casal separado por um golpe do destino, sob direção de Richard LaGravenese. O longa adapta o romance “P.S. I Love You”, de Cecelia Ahern, e propõe um roteiro guiado por bilhetes que funcionam como orientações práticas e emocionais para a retomada de quem ficou. A premissa privilegia decisões pequenas e repetidas, como se a ausência impusesse um passo de cada vez.
O formato segue uma sequência de convites ao mundo. Cada carta sugere deslocamentos, reencontros, tentativas de trabalho, aproximações com amigos e família. A montagem intercala Nova York, com seus interiores apertados e rotina urbana, e paisagens da Irlanda, que evocam lembranças do casal e ampliam o contraste entre memória e presente. O filme evita a pressa na primeira metade, quando a dor ainda se manifesta em vazios, silêncios, risos fora de hora e recaídas compreensíveis. Nessa etapa, a narrativa privilegia o processo de luto sem apontar soluções definitivas.
Hilary Swank sustenta a personagem com timbre contido. A atriz faz de Holly alguém irritadiça em algumas passagens, engraçada em outras, nunca imune à confusão do período. Oscilando entre culpa e saudade, ela encontra em pequenos gestos o espaço onde a vida recomeça, como reorganizar a casa, aceitar convites, errar e tentar de novo. Gerard Butler, com menos tempo em cena, compõe um Gerry expansivo, lembrado em vídeos e bilhetes. Essa presença póstuma, sempre próxima, dá ao filme uma nota de doçura que contrasta com a dureza dos dias recentes, o que dá sentido à insistência das cartas.
O entorno ajuda a consolidar a jornada. Kathy Bates encarna a mãe pragmática, que tenta proteger a filha impondo limites e lembrando responsabilidades. Lisa Kudrow e Gina Gershon oferecem o respiro das conversas íntimas, daquele humor que aparece entre amigas e que não desqualifica a dor. Harry Connick Jr. surge como possível parceiro, mas sua hesitação e suas falhas compõem um retrato de afetos em teste, não de substituições fáceis. Na etapa irlandesa, Jeffrey Dean Morgan introduz outra cor à história, com simpatia imediata e um passado ligado a Gerry, o que amplia as ambiguidades de Holly e evita encaminhamentos simplistas.
LaGravenese prefere planos que se aproximam do rosto de Swank sem exagero. A fotografia destaca interiores, bares e ruas com luz funcional, enquanto a Irlanda é mostrada úmida e verde, como lembrança e convite. A trilha pop, por vezes, sublinha emoções de forma insistente e alonga cenas que já se sustentavam pelo jogo dos atores. Ainda assim, quando recua, permite que o silêncio tenha peso e que o espectador acompanhe detalhes de respiração e olhar que valem mais do que qualquer explicação.
O recurso das cartas cobra riscos. Em algumas passagens, o controle planejado por Gerry pode parecer invasivo, como se o morto ditasse escolhas demais para a viva. O filme contorna essa sensação quando mostra hesitações e recusas de Holly, deixando claro que cada bilhete só ganha força se for aceito. A eficácia do mecanismo está na medida em que devolve autonomia à protagonista, não na substituição da vontade dela por um roteiro encomendado. Quando essa lógica prevalece, a história ganha credibilidade.
Outro ponto sensível está no ritmo. A duração estendida estica emoções já apresentadas e repete piadas que funcionam melhor em registro breve. O humor, em grande parte, nasce de constrangimentos cotidianos e observações laterais; quando se acumula, perde brilho. Ainda assim, a balança inclina a favor do filme porque os intérpretes mantêm a convicção das cenas e a encenação conserva modéstia visual, sem truques que desviem do foco principal.
Como retrato de luto, “P.S. Eu Te Amo” trabalha com a ideia de que a vida não volta a ser o que era, mas encontra outro arranjo possível. As cartas aparecem como muletas úteis em um período específico, não como solução permanente. Quando a personagem internaliza a perda e reorganiza desejos, os bilhetes se tornam menos necessários, e essa transição sugere um entendimento saudável do processo. Não se trata de curar uma ferida, e sim de conviver com ela até que doa menos.
Como romance, o filme evita idealizações absolutas. Não há par perfeito à espera de um sinal, e sim relações provisórias, desencontros e afinidades que amadurecem devagar. O roteiro reconhece que atração não resolve o problema central de quem ainda está de luto e que novas parcerias exigem negociações de espaço. Esse caminho menos fantasioso serve melhor à proposta e fortalece a identificação com quem viveu perdas recentes.
No campo técnico, o desenho de produção abraça a simplicidade e ajuda a contar a história sem sobressaltos. Os ambientes marcam fases de vida: o apartamento com caixas, o bar como ponto de contato, as paisagens irlandesas lembrando o casal. O figurino acompanha a oscilação de humor e energia da protagonista, sem sinalizações óbvias. A montagem alterna lembranças e presente com clareza temporal, o que evita confusões em um enredo que poderia se embaralhar com facilidade.
O saldo dramático repousa na honestidade dos gestos. Quando Holly enfrenta um aniversário, quando aceita uma conversa difícil, quando admite que ainda sente falta de Gerry, o filme encontra sua força. Não há grandes viradas, mas há a consolidação de escolhas que permitem seguir em frente. Ao encerrar, resta a sensação de história que propõe continuidade, porque a vida de quem fica não cabe em uma última cena e porque as cartas, cedo ou tarde, deixam de ser necessárias para que novas páginas existam.
★★★★★★★★★★