Esse é um dos meus filmes favoritos e te explico a razão pelo qual deveria ser o seu também  — na Netflix Divulgação / Paramount Vantage

Esse é um dos meus filmes favoritos e te explico a razão pelo qual deveria ser o seu também — na Netflix

Há algo de ancestral na fascinação pelo isolamento: esse desejo de desaparecer do mundo, de medir a própria força diante do silêncio absoluto. Em “Na Natureza Selvagem”, Sean Penn transforma a fuga de Christopher McCandless em um espelho incômodo, onde o impulso romântico de libertação se choca com a realidade inegociável da natureza. O filme, inspirado no livro de Jon Krakauer, não se limita a narrar uma aventura trágica; ele investiga uma forma de purificação existencial, uma tentativa de apagar as marcas da civilização em troca de uma comunhão idealizada com o essencial. McCandless, rebatizado de Alexander Supertramp, não parte apenas para o Alasca, ele foge de uma herança simbólica, da rigidez moral dos pais, do conforto sufocante de uma vida traçada. Sua jornada é tanto um grito quanto uma recusa.

Há, porém, uma contradição que permeia essa busca pela pureza: ela nasce de um ato de egoísmo travestido de iluminação. O protagonista acredita estar se libertando do peso social, mas carrega consigo a mesma ilusão de controle que tenta negar. Penn filma essa contradição com um olhar de admiração contida. Sua câmera é generosa, mas nunca condescendente. O espectador é convidado a contemplar a vastidão das paisagens, mas também a perceber nelas um abismo: quanto mais grandiosa a natureza, mais diminuto se torna o homem que acredita dominá-la. Emile Hirsch dá corpo a esse paradoxo com uma entrega quase ritualística. Seu corpo se consome na mesma medida em que a crença o sustenta. Há nele um fervor messiânico, mas também uma inocência que o condena.

Krakauer, ao reconstruir a trajetória de McCandless, foi acusado de heroificá-lo. De fato, há no livro um fascínio pelo jovem que rejeita tudo para seguir uma ética própria, uma espécie de santo secular, guiado por ideais de pureza moral e despojamento. Mas a beleza da narrativa está justamente na ambiguidade: McCandless é simultaneamente admirável e tolo, lúcido e delirante. A cada página, percebe-se que sua rebeldia não é apenas contra o sistema, mas contra a própria ideia de limite. Ele não aceita que a vida humana se sustente na dependência e paga o preço de transformar o ideal em absoluto. A natureza, nesse sentido, é uma figura moral: não negocia, não acolhe, não perdoa.

Penn compreende que não há redenção nem condenação possível. McCandless não é mártir nem idiota; é um espelho de uma juventude que acredita que a pureza é uma questão de fuga, e não de permanência. Sua morte, solitária e quase litúrgica, não encerra a história. Ela a transforma em parábola. “A felicidade só é real quando compartilhada”, escreve ele. É a epifania tardia de quem compreende, tarde demais, que viver fora do mundo é também viver fora de si.

Há, no fundo, algo de universal nesse impulso destrutivo de querer ser puro. A juventude de McCandless não é apenas biográfica; é arquetípica. Muitos de nós já fomos versões domesticadas de Supertramp, convictos de que bastavam livros, coragem e uma estrada para alcançar o essencial. Com o tempo, aprendemos que a maturidade não é rendição, mas o reconhecimento de que a beleza também existe nas pequenas permanências. “Na Natureza Selvagem” sobrevive porque não explica, apenas observa o instante em que o idealismo toca o limite da carne. E nesse encontro brutal entre sonho e realidade, o cinema de Penn encontra sua verdade mais pura: a de que toda busca pela liberdade absoluta acaba, inevitavelmente, por revelar o preço da solidão.

Filme: Na Natureza Selvagem
Diretor: Sean Penn
Ano: 2007
Gênero: Aventura/Drama
Avaliação: 10/10 1 1
★★★★★★★★★★