Você vai roer as unhas com este filme sufocante na Netflix Divulgação / Netflix

Você vai roer as unhas com este filme sufocante na Netflix

Uma viagem curta para aliviar a cabeça transforma-se em busca urgente quando uma jovem acorda com a memória falhada e percebe que a companheira de passeio desapareceu. A partir desse ponto de partida, a narrativa acompanha o percurso por delegacias, pensões e ruas ensolaradas que escondem becos desconcertantes, enquanto mensagens de celular e lembranças partidas compõem o mosaico do que pode ter acontecido. Em “Naquele Fim de Semana”, Leighton Meester interpreta Beth com foco na ansiedade crescente, contracenando com Christina Wolfe, cuja ausência alimenta a inquietação, e com Ziad Bakri, que se apresenta como possível aliado em meio à desconfiança geral. Dirigido por Kim Farrant, o filme é adaptação do romance “The Weekend Away”, de Sarah Alderson, e atualiza um tipo de suspense urbano em que o paraíso de folheto turístico se torna um labirinto de incertezas.

A obra mantém o olhar quase sempre a partir de Beth. A câmera se aproxima do rosto da personagem, captando hesitações e impulsos que a empurram adiante, mesmo quando a vergonha ou o medo sugerem recuo. Essa proximidade simplifica a exposição e preserva dúvidas essenciais: quem mente, o que está sendo omitido, quais lembranças merecem crédito. Não há alívio cômico, e a trilha musical intervém com parcimônia, deixando que sons de passos, portas e motores marquem ritmo. A montagem evita gordura e favorece a sensação de tempo corrido, como se cada minuto retirasse oxigênio de decisões impulsivas. O efeito prático é manter a atenção ancorada na protagonista, sem dispersão desnecessária.

Leighton Meester encontra um registro que combina cansaço e insistência, desenhando uma mulher atravessada por demandas domésticas e por um casamento que não inspira segurança. O corpo fala antes de qualquer frase: passos curtos, mãos inquietas, olhares que flutuam entre culpa e determinação. Christina Wolfe, vista em lembranças e vídeos, precisa convencer pelo que não aparece, e consegue sugerir tanto o fascínio quanto o risco de uma amizade que mistura cuidado e competição. Ziad Bakri interpreta um motorista que vira confidente ocasional, mas carrega sobre si o peso de preconceitos locais e do olhar apressado de autoridades que precisam de um culpado à mão. Ao redor deles, coadjuvantes transitam entre boa vontade e hostilidade, típicos de cidades que recebem turistas em busca de prazer rápido.

“Naquele Fim de Semana” aposta numa investigação pautada por pequenos indícios: um recibo esquecido, um aplicativo com histórico suspeito, a contradição de uma testemunha. A cada pista, Beth encontra nova barreira institucional, seja o ceticismo policial, seja a exigência de procedimentos lentos que pouco ajudam quem está fora de casa, sem domínio do idioma e sem rede de apoio. Essa sequência de portas semiabertas mantém a verossimilhança em patamar aceitável, ainda que, em alguns momentos, a coincidência pareça conveniente. Mesmo nessas passagens, a direção prefere sugerir do que gritar, e isso preserva uma dose de incerteza útil para quem acompanha o trajeto.

A paisagem costeira, muito fotografada por produções do streaming, aparece aqui com luz dura durante o dia e letreiros à noite. O contraste ressalta a distância entre a promessa de descanso e a realidade de deslocamento e suspeita. O filme evita transformar a cidade em parque temático de perigo, mas não esconde a tensão que envolve qualquer estrangeiro em situação frágil. Esse aspecto aparece de maneira natural, sem discursos explicativos, e se relaciona à forma como a trama observa comportamentos de moradores, recepcionistas e motoristas diante de quem chega e não conhece as regras locais. Em paralelo, o roteiro sugere o desconforto de Beth com a maternidade e com o casamento, fatores que alimentam a culpa quando a memória falha.

Kim Farrant conduz as cenas de modo econômico, sem excesso de cortes ou truques de choque. O recurso de colar o quadro à protagonista funciona melhor do que as passagens em que explicações surgem em série, como se fosse necessário confirmar cada passo para evitar dúvidas. A fotografia prefere enquadramentos em corredores, escadas e banheiros, adotando espaços estreitos que comprimem o corpo da personagem e tornam visível o esforço para continuar. Essa coerência visual sustenta a jornada e afasta o risco de transformar o cenário em cartão-postal.

O principal interesse dramático está na amizade entre Beth e Kate, observada por lembranças que sugerem flertes com perigo, pequenas omissões e ciúmes silenciosos. O filme encontra vigor nessas arestas e nas conversas interrompidas, onde se insinua um desalinhamento de expectativas. Quando Beth revisita vídeos e fotos para organizar o que viveu, a produção registra como memórias digitais podem alinhar ou distorcer lembranças, algo que afeta qualquer pessoa que dependa do celular para guardar a própria história. A dúvida central se amplia: o que foi registrado corresponde ao que de fato ocorreu, e até que ponto a culpa guia a interpretação desses registros?

As reviravoltas distribuem suspeitas por personagens próximos e por figuras que entram e saem de cena com rapidez. Se algumas soluções aparecem no momento exato em que seriam mais úteis, o conjunto compensa com ritmo e com a consistência do ponto de vista. Há momentos em que a investigação parece avançar por intuição, mas a atuação de Meester e a secura da direção estabilizam o percurso e impedem que o suspense descambe para caricatura. A cada avanço, cresce a sensação de que a protagonista precisa lidar não apenas com o sumiço da amiga, mas com a imagem que construiu de si ao longo dos anos.

Quando “Naquele Fim de Semana” toca em temas como maternidade, autonomia e o desgaste de relações longas, encontra terreno fértil. Essas questões aparecem nas pausas e nos silêncios, sem necessidade de sublinhados. A trilha entra para sustentar o desconforto, mas não disputa o primeiro plano, e isso favorece a observação de gestos simples que revelam mais do que frases explicativas. A direção de atores acompanha essa lógica e dá espaço a reações contidas, com particular atenção à forma como Beth calcula riscos antes de cada passo, mesmo quando a pressa ameaça sabotar qualquer raciocínio.

Sem revelar o desfecho, a produção prefere coerência narrativa a rupturas gratuitas. Há quem deseje um mergulho mais profundo nas consequências emocionais do que é sugerido pelo caminho, porém a obra escolhe clareza e mantém o compromisso com a perspectiva estabelecida desde o início. A experiência resultante é de suspense direto, com locações convidativas e uma protagonista que sustenta o eixo dramático sem pedir simpatia constante. Para um público interessado em mistérios urbanos de duração enxuta, o filme oferece pistas suficientes para alimentar conversas e levantar dúvidas que não se resolvem apenas com um boletim policial.

Filme: Naquele Fim de Semana
Diretor: Kim Farrant
Ano: 2022
Gênero: Crime/Drama/Mistério/Thriller
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★