Mistério para quem ama Agatha Christie, com Helen Mirren e Ben Kingsley, na Netfix Giles Keyte / Netflix

Mistério para quem ama Agatha Christie, com Helen Mirren e Ben Kingsley, na Netfix

Em seus primeiros minutos, “O Clube do Crime das Quintas-Feiras” parece apostar no conforto de um tipo de entretenimento previsível: velhinhos carismáticos num condomínio de luxo resolvendo mistérios para se distrair. Só que logo se percebe que esse desprezo pela previsibilidade é uma armadilha muito bem disfarçada. A película, adaptada do romance de Richard Osman, vai esculpindo camadas de humor, melancolia e tensão, até desequilibrar o espectador, não pela violência, mas pelas implicações humanas do que vai sendo revelado.

O ponto de partida é quase trivial: Elizabeth, uma ex-espiã reservada porém com uma presença magnética, une um grupo de amigos aposentados em Cooper’s Chase para resolver casos antigos não solucionados. Com ela estão Ron, ex-líder sindical; Ibrahim, psiquiatra reformado; e Joyce, recém-chegada ao local, que traz no histórico médico e pessoal um sotaque de urgência.

A fórmula “mistério ambientado em comunidade de idosos” poderia render só charme nostálgico, mas o filme vai além do clichê. A adaptação de Chris Columbus conjuga o óbvio com o inesperado, especialmente quando o passatempo dos detetives amadores se transforma em algo mais grave: há questões de desconfiança, poder, velhice, isolamento e identidade. A luxuosidade estética do condomínio contrasta com os fantasmas que cada personagem carrega: memórias, arrependimentos, doenças que já não se evitam.

Helen Mirren, no papel de Elizabeth, age como centro gravitacional. Há nela uma firmeza que nunca beira arrogância, um controle que parece inquieto. Pierce Brosnan brilha quando é permitido ser menos “senhor elegante” e mais “homem que ainda protesta, que sente que há injustiça à volta”. Ben Kingsley e Celia Imrie completam, cada um à sua maneira, esse quarteto que embora simpático padeça do problema de não sermos apresentados inteiramente ao que motiva todos os seus atos, há uma distância entre personagens interessantes e personagens que nos tocam de verdade.

O arco narrativo se embrenha em várias tramas: a tensão decorrente dos planos imobiliários sobre Cooper’s Chase; a morte misteriosa de Tony Curran; o passado oculto do clube; antigas tragédias que ainda mexem com sobreviventes. Muitas reviravoltas surgem, algumas eficazes, outras menos, especialmente nos momentos em que o roteiro tenta “disfarçar” buracos com personagens secundários, arcos dispersos ou diálogos que soam mais funcionais do que vividos.

Visualmente, o filme é primoroso: cenários bem cuidados, cores suaves, trajetórias de câmera que apoiam o clima mais do que disputam a atenção. A estética limpa contribui para o charme britânico característico, mas também põe em evidência o que falta, vivacidade profunda nos personagens secundários e peso emocional em certos momentos decisivos.

Mesmo assim, “O Clube do Crime das Quintas-Feiras” funciona bem como entretenimento pensado para agradar. Ele diverte; diverte bastante. Há risadas leves, bons momentos de descontração e uma sensação de conforto moral, ainda que esse conforto esteja sempre ameaçado pelas bordas do que é justo, verdadeiro, humano.

Por outro lado, quem busca um mistério mais incômodo, uma profundidade que vá além do vislumbre de arrependimento ou da revelação final, pode se sentir um pouco frustrado. Em certos trechos, o filme se segura demais em convenções do gênero cozy mystery, aqueles casos em que tudo pode ser elegante demais, seguro demais. O clímax promete algo mais radical do que entrega, e algumas escolhas morais ficam no “meio-termo”, talvez para não alienar o público mais sensível.

No encerramento, não há “lição de moral dramática”, tampouco grande choque final. Em vez disso, sobra uma pergunta suave, mas persistente: como lidamos com o passar dos anos, com a memória que insistimos em esconder, com as amizades que teimamos em manter mesmo quando tudo muda? “O Clube do Crime das Quintas-Feiras” desce dos palcos da nostalgia para nos lembrar de que crescer, ou simplesmente envelhecer, é uma investigação constante do que fomos, do que deixamos para trás, e de quem ainda carregamos dentro de nós.

Filme: O Clube do Crime das Quintas-Feiras
Diretor: Chris Columbus
Ano: 2025
Gênero: Comédia/Crime/Mistério/Suspense
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★