O filme perfeito para quem já amou de verdade — e sabe que o amor também pode ser um tipo de loucura. No Prime Video Divulgação / Wolflight

O filme perfeito para quem já amou de verdade — e sabe que o amor também pode ser um tipo de loucura. No Prime Video

Um homem de setenta anos decide tirar a esposa do lar onde ela vive sob supervisão médica e inicia uma viagem que pode ser despedida, reencontro ou fuga. “Um Tipo de Loucura”, drama escrito e dirigido por Christiaan Olwagen, acompanha esse deslocamento com foco no vínculo de décadas entre Daniel e Elna, interpretados por Ian Roberts e Sandra Prinsloo, enquanto a família e a polícia tentam trazer o casal de volta. O ponto de partida é simples: antes que as lembranças desapareçam de vez, ele quer cumprir promessas antigas. A estrada, para os dois, funciona como tempo emprestado.

A narrativa alterna o percurso do presente com fragmentos do passado, quando os personagens ainda descobriam gostos e medos um do outro. Esse vaivém esclarece o apego de Daniel às ideias da juventude, não por nostalgia vazia, mas por enxergar nelas a última chance de reconhecer a parceira além do diagnóstico. Ao redor, os filhos adultos, vividos por Erica Wessels, Evan Hengst e Amy Louise Wilson, tentam impor procedimentos que consideram seguros. O filme apresenta esses pontos de vista sem caricatura, deixando que os conflitos se acumulem com a naturalidade de uma conversa de família interrompida e retomada muitas vezes.

Sandra Prinsloo compõe Elna com doçura e inquietação. Em alguns momentos, a lucidez volta por instantes; noutros, o rosto se perde na névoa de quem busca uma palavra que não chega. Ian Roberts dá a Daniel teimosia e cuidado, combinação que move a trama e cria dilemas éticos. Quando ele decide levá-la para ver o mar mais uma vez, a audiência entende tanto a ternura do gesto quanto a imprudência que o acompanha. O filme coloca lado a lado a vontade de preservar uma história e a responsabilidade de lidar com uma condição que cobra limites claros.

A forma visual favorece horizontes abertos e vento constante, sem transformar a paisagem em cartão-postal. O diretor de fotografia Adam Joshua Bentel usa luz suave, e a câmera permanece próxima aos corpos, como se aprendesse a respirar no ritmo de Elna. Em paralelo, a edição de Matthew Swanepoel guia a viagem com cortes discretos e memórias breves, recuos que iluminam o presente sem confundir. O desenho de som mantém sons do cotidiano (motor, passos, água) como marcas de tempo que escapam da memória de Elna e ajudam Daniel a manter o rumo.

O filme aproxima humor e melancolia com leveza. Pequenos tropeços, confusões de palavras e improvisos do casal criam respiros em meio à apreensão da busca policial. Esses toques não banalizam a doença; funcionam como lembrança de que a vida insiste em produzir situações engraçadas mesmo quando a cabeça vacila. O espectador percebe que Daniel usa a graça para afastar o medo, enquanto Elna circula entre atenção flutuante e lampejos de afeto reconhecível. A família, ao segui-los, enfrenta uma pergunta difícil: onde termina o zelo e onde começa o controle.

O roteiro evita moral simples. Ao dar espaço aos filhos, expõe a exaustão de quem assumiu tarefas burocráticas e afetivas quando o pai recorre a gestos grandiosos. Há um cansaço que não vira vilania, e há uma generosidade que não vira absolvição automática. O policial que os persegue entende que a situação pede cautela, pois qualquer decisão pode agravar o quadro. Em vez de apontar um culpado, o filme prefere acompanhar escolhas que ganham ou perdem sentido conforme a memória de Elna se rearranja naqueles dias.

A música aparece com parcimônia, sem impor emoção. Canções ouvidas pelo casal, sons de rádio e de bares à beira da estrada marcam estações da viagem. A cada parada, Daniel tenta recuperar hábitos antigos: dançar, comer algo que ela gostava, escutar uma história que talvez se desfaça no minuto seguinte. Esses gestos constroem um retrato de convivência que sobrevive à doença porque se apoia em rituais simples. A aposta é que repetição e cuidado podem sustentar uma identidade quando nomes e datas começam a escapar.

Olwagen dirige com clareza e moderação. Não há pressa, e cada cena guarda um pequeno objetivo concreto: comprar remédios, pedir informação, olhar o mar. Essa coleção de ações mantém o filme aterrado, evitando abstrações que distanciariam o público da realidade do casal. Ao mesmo tempo, as lembranças dos dois, filmadas com suavidade, oferecem pistas do tipo de parceria que sustentou aquela vida. A percepção de Daniel sobre o tempo que resta dá à viagem um sentido de urgência silenciosa.

O elenco de apoio reforça dimensões distintas do conflito. Os filhos variam entre irritação, medo e ternura; amigos antigos oferecem relatos que ampliam o mosaico do casamento; desconhecidos demonstram curiosidade ou compaixão. Não há discursos programáticos, e sim conversas atravessadas por burocracias, contas a pagar, receitas médicas e recados deixados em celulares. A escolha por diálogos cotidianos torna crível o atrito entre dever e desejo. Quando alguém pergunta a Daniel se aquilo é seguro, ele não tem resposta plena, apenas a certeza de que aquele é o modo que encontrou para honrar quem Elna foi por décadas.

Em termos de atuação, Sandra Prinsloo equilibra presença física e olhar distante, sinalizando a oscilação da memória sem exageros. Ian Roberts alterna firmeza e hesitação, e o rosto cansado comunica tanto devoção quanto medo de perder a parceira antes da hora. Essa abordagem modesta sustenta o interesse do público, porque concentra a atenção em pessoas reconhecíveis. Quando a viagem termina, permanece a sensação de que nenhum documento jurídico esgota a dimensão dos afetos em jogo.

“Um Tipo de Loucura” pertence à tradição de histórias sobre envelhecer, mas evita o sentimentalismo fácil. O filme entende que amor de longo curso não é feito só de juras; é feito de administrações diárias, pequenos acordos e memórias que mudam de cor com o tempo. Ao acompanhar o casal nessa travessia, a obra convida a olhar de perto decisões que soam românticas de longe, mas que exigem coragem e responsabilidade. A pergunta que sobra não busca heróis ou vilões: busca condições para que cuidado e liberdade possam coexistir sem que ninguém seja apagado do mapa.

Filme: Um Tipo de Loucura
Diretor: Christiaan Olwagen
Ano: 2025
Gênero: Drama
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★