Filme mais assistido da Netflix no mundo inteiro, o suspense hitchcockiano com Keira Knightley Parisa Taghizadeh / Netflix

Filme mais assistido da Netflix no mundo inteiro, o suspense hitchcockiano com Keira Knightley


Há filmes que são embalados para parecerem irresistíveis: um cenário glamouroso, um elenco talentoso e um mistério capaz de manter o público na ponta da cadeira. “A Mulher na Cabine 10”começa exatamente assim, com o brilho impecável de um iate milionário cortando o mar do Norte, o som metálico das taças de champanhe e uma protagonista que carrega nos olhos um peso que nem o luxo consegue disfarçar. Tudo indica um suspense elegante, daqueles que exploram a vulnerabilidade feminina em ambientes que misturam privilégio e perigo. Só que, à medida que a trama se desenrola, o que poderia ser um mergulho psicológico de primeira classe transforma-se numa travessia previsível, onde o mistério se dissolve na espuma.

A história gira em torno de uma jornalista que, tentando reconstruir a própria estabilidade emocional após um assalto traumático, aceita cobrir o lançamento de um iate exclusivo. O cenário é um sonho de consumo: cabines impecáveis, convidados milionários e uma equipe tão cortês quanto enigmática. No entanto, em meio ao brilho das joias e ao tilintar dos copos, a protagonista presencia algo que ninguém mais viu: uma mulher sendo jogada ao mar. Quando tenta alertar a tripulação, descobre que não há registro de nenhuma passageira com aquelas características. O medo, a dúvida e a sensação de isolamento transformam a viagem em um pesadelo. A partir daí, o filme tenta construir uma tensão constante: seria ela vítima de uma grande conspiração ou refém da própria instabilidade mental?

O problema é que essa dualidade, tão promissora, se repete sem evolução real. O roteiro parece preso a uma estrutura circular, alternando entre momentos de paranoia e revelações convenientes que pouco acrescentam à intriga. Falta densidade na escrita e, principalmente, coragem para romper com os clichês do gênero. O filme emula o suspense hitchcockiano, mas falta a engenhosidade que o tornaria memorável. A cada nova pista, o espectador já antecipa o próximo movimento, e a sensação de perigo perde força. Mesmo quando a trama ameaça mergulhar em algo mais sombrio, logo retorna à superfície, priorizando reviravoltas apressadas e soluções fáceis.

Ainda assim, há algo hipnótico na atmosfera que a direção consegue sustentar. O confinamento dentro do iate é explorado de forma competente, transformando o luxo em prisão e o mar aberto em metáfora para o isolamento emocional da protagonista. Há um certo fascínio em observar como o ambiente, aquele espaço de aparência perfeita, vai se tornando opressivo à medida que a realidade se fragmenta. O uso da luz, a paleta fria e o som abafado das cenas noturnas funcionam como extensões do estado psicológico da personagem, que oscila entre lucidez e colapso. O problema é que a construção visual, embora cuidadosa, não encontra no roteiro um equivalente em profundidade narrativa. O resultado é um filme bonito de se ver, mas emocionalmente morno.

A protagonista, no entanto, é a verdadeira âncora do filme. Com carisma e vulnerabilidade na medida certa, ela transforma uma figura que poderia ser apenas a “mulher em perigo” em uma personagem complexa, marcada por traumas e pela obstinação em ser levada a sério. Mesmo quando o roteiro tropeça, ela mantém a tensão viva, seu olhar comunica mais do que muitos diálogos explicativos. É o tipo de atuação que carrega o filme nas costas, ainda que o texto não a mereça totalmente. Os demais personagens, por outro lado, flutuam entre arquétipos e caricaturas: o anfitrião carismático demais para ser confiável, o convidado misterioso, a funcionária que sabe mais do que aparenta. Tudo soa um pouco familiar, como se o público já tivesse estado nesse barco antes.

O terceiro ato, que deveria ser o ponto alto da narrativa, se perde em exageros. As revelações vêm em sequência, mas sem impacto real; parecem mais o cumprimento de uma checklist de gênero do que desfechos orgânicos. A tentativa de justificar cada acontecimento faz o mistério perder seu encanto, e a pressa em encerrar tudo de forma satisfatória acaba traindo a tensão cuidadosamente construída no início. Quando o filme finalmente ancoraria em algo profundo, a relação entre trauma e percepção, ou a solidão feminina diante da descrença, ele recua, preferindo o conforto do entretenimento fácil.

“A Mulher na Cabine 10” tem estilo, tem atmosfera, tem uma atriz magnética no centro de tudo, mas falta substância. É um suspense de manual, polido o suficiente para entreter, mas não ousado o bastante para marcar. Fica a sensação de que o iate continua flutuando em círculos, preso entre o mar do luxo e o abismo do esquecimento. Um passatempo elegante, desses que você assiste com prazer, mas esquece assim que os créditos sobem. Porque, às vezes, o perigo real não está no que se vê, mas no que se repete demais.

Filme: A Mulher na Cabine 10
Diretor: Simon Stone
Ano: 2025
Gênero: Drama/Mistério/Suspense
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★