Estreou hoje na Netflix: a série épica francesa para maratonar sem culpa Divulgação / Netflix

Estreou hoje na Netflix: a série épica francesa para maratonar sem culpa

Quanto mais se vive, mais nítida é a impressão de que cada homem tem uma sentença a cumprir. Há no espírito de todo ser humano uma zona cinzenta, um território de sombras, onde dormita uma possibilidade de redenção junto com os fantasmas que nunca deixam de nos assombrar, lembrando-nos de nossas fraquezas e nossa maldade. Na madrugada silenciosa, um mal-estar tira o sono do justo e do ímpio, e a dúvida quanto a ter agido da melhor forma numa circunstância muito particular corrói até a mais diabólica das criaturas. Um experiente sicário na França do século 16 tem de escolher entre salvar a filha ou continuar ganhando a vida com sangue, e os oito episódios de “Néro” desdobram-se nessa cadência. Dinâmica, a série criada pelos franceses Jean-Patrick Benes, Nicolas Digard, Martin Douaire e Allan Mauduit disseca os traumas do personagem central compondo um mosaico de emoções e intrigas e assegurando todas as reviravoltas necessárias para manter a história quente.

Néro é um fora da lei muito confortável com sua marginalidade. Ele mata por dinheiro, claro, mas também para manter-se numa espécie bastante autossatisfatória de mitologia social, respeitado e temido, tentando ainda não pensar na chaga que coroa sua existência tão infeliz. Mauduit e o codiretor Ludovic Colbeau-Justin unem o fantástico e o histórico no esforço de fazer do personagem-título a síntese do caos da França na virada do século 15, lidando com uma seca rigorosa, a pior que já experimentara, e a iminência de uma guerra civil. Néro só se importa em rever a filha, o que, embora não pareça, tem-no consumido numa busca insana. Em oito episódios, “Néro” esmera-se ao lançar mão de figurinos e cenários que remetam o público a 1504, ao passo que nunca esquece de realçar a figura de um sujeito maldito, vulnerável, mas esperando um sinal para atacar. Depois de sobreviver à forca, sai de Lamartine, na Borgonha, e vai para Ségur, uma comuna meridional, certo de que terá seu reencontro. Mas sem conseguir antever a surpresa que determina o eixo da trama.

Criada num mosteiro, Perla foi manifestando seu domínio sobre as forças do submundo. Criada como um animal, excluída, presa, a filha de Néro precisa mesmo dele, e a série explora o argumento pondo à mesa ideias como a do matador encarnando o último descendente do diabo e Perla como sua salvadora pagã, mas também indomável. Os criadores manejam bem o tropo da jornada por vingança que acaba por transformar-se num propósito maior, e Pio Marmaï lidera com brilho um elenco vasto e talentoso, em especial quando contracena com o frei Horace de Olivier Gourmet. No fim, a França volta a refrescar-se com o autossacrifício da filha de uma meretriz e um assassino que evitou a ruína de um país dominado por fanáticos.


Série: Néro
Criação: Jean-Patrick Benes, Nicolas Digard, Martin Douaire e Allan Mauduit
Direção: Ludovic Colbeau-Justin e Allan Mauduit
Ano: 2025
Gêneros: Drama, ação, aventura 
Nota: 8/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.