Inevitáveis na trajetória humana, as perdas cavam abismos que o tempo muitas vezes não fecha. Uma tristeza arrebatadora instala-se no dia a dia e mesmo as atividades mais prosaicas tornam-se um martírio, aludindo a um tempo bom que se foi para sempre. A fé vem como o alicerce para uma alma enferma e, se não dá cabo da dor, oferece um horizonte, uma direção qualquer, um motivo para conter as lágrimas. Quase tudo na vida é mistério, quase tudo escapa ao nosso controle e há que se compreender o fim como uma chance milagrosa de transformação. Desalento converte-se em esperança, palavra que galvaniza sentimentos em “Rute e Boaz”. Alanna Brown reconstitui a história da moabita que lavra nos campos para não morrer de fome depois de ficar viúva, narrativa das mais simbólicas acerca da lealdade e do dom sagrado de confiar na Providência. Os roteiristas Michael Elliot e Cory Tynan encontram um jeito de trazer para o insano século 21 a célebre passagem do Antigo Testamento, porém a necessidade de compactar a saga em pouco mais de hora e meia abrevia a substância dramática de muitos personagens.
A figura de Tyler Perry como um dos produtores funciona como uma espécie de advertência. Perry, um dos nomes mais prósperos de Hollywood hoje, é esperto o bastante para entrar em muitos temas complexos de uma vez, sem, todavia, esgotá-los, sobrepondo-os atabalhoadamente. É o que acontece aqui desde a primeira cena, na qual já se notam diálogos truncados, subtramas que ficam pelo caminho e personagens unidimensionais. Lamentavelmente, a tendência vai sendo mantida, ainda que a opção por mostrar a religiosidade à parte do dogma seja acertada. No Novíssimo Testamento de Brown, Rute é uma rapper de Atlanta que abdica da carreira para assistir a sogra, depois que o namorado e o pai dele são mortos. A história gira em torno da negativa de Rute quanto a honrar os shows previamente contratados por Syrus, o agente vivido por James Lee Thomas, a quem deve 250 mil dólares. De maneira consciente ou involuntária, a diretora privilegia a relação construída na areia entre Rute e Noemi, destacando a amizade que as duas estabelecem. Serayah e Phylicia Rashad ocupam todo o espaço, a tal ponto que o Boaz de Tyler Lepley desidrata-se antes de mostrar a que veio, inspirando questões necessárias.
Na Bíblia, Rute casa-se com Boaz porque não tem nenhum meio próprio de subsistência. Aqui, a heroína do livro homônimo não só dispensa o sucesso nos palcos como levanta ela mesma a sogra, sua única referência materna. A leitura da diretora é tão enviesadamente caótica que só se pode ter a reflexão de que teria sido melhor se ela assumisse que sua Rute não carece de ninguém. De Boaz tampouco.
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