Enquanto os moinhos murmuravam segredos ao vento e as águas refletiam o céu nublado, chorou aos pés da cama o menino de nome raro. Rembrandt Harmenszoon van Rijn deu seu primeiro suspiro em 15 de julho de 1606, na cidade de Leiden, em uma casinha estreita de tijolos vermelhos. Três pavimentos com chão de madeira simples rangiam quando seus moradores pisavam. Pelas pequenas janelas, a claridade entrava tímida na casa escura, e aquela visão cotidiana das sombras e da luz ficaria eternamente guardada na memória do menino que anunciava aos berros sua vinda ao mundo.
Filho de um moleiro com a filha de um padeiro, Rembrandt teria uma infância forjada entre o cheiro forte da farinha e o silêncio estudioso das cartilhas latinas. Embora viesse de uma família modesta, recebeu educação criteriosa e chegou a frequentar a universidade em sua juventude. No entanto, a promessa de um diploma superior não foi suficiente para mantê-lo preso às grades curriculares. O som da liberdade ressoava através das pinceladas nas telas que pintava dentro das paredes de um pequeno estúdio que dividiu com Jan Lievens, em sua cidade natal. Foi ali que aprendeu a capturar os véus da alma nos rostos comuns.
Em Amsterdã, mais precisamente na Jodenbreestraat 4, no coração da antiga vizinhança judaica, Rembrandt se debruçou sobre telas e gravuras, trabalhando como professor, comerciante e artista. Sua casa se transformou em ateliê, onde os pigmentos eram misturados, as luzes e sombras eram testadas e as expressões humanas ganhavam vida. Apesar de retratar tantos outros, Rembrandt ficou conhecido por seus autorretratos. Foram mais de 80. Alguns bastante célebres, outros quase invisíveis. Seu rosto se escondia sob camadas de tinta, como um figurante em uma cena teatral. Em “Cabeça de um Homem com Barba”, pintura de 1630, raios X revelaram, em 2011, sob a superfície, os traços juvenis do artista, redescoberto como um murmúrio esquecido.

Em “Um Velho em Traje Militar”, raios X também reconstruíram o rosto oculto de um jovem Rembrandt envolto em colar metálico e capa oliva. Em “A Tempestade no Mar da Galileia” (1633), único marinho que pintou, um navio é sacudido por ondas furiosas. Nele, doze discípulos lutam para manter a embarcação à tona. Um dos apóstolos tem o rosto de ninguém menos que o próprio Rembrandt, agarrado a uma corda. Curiosamente, é o único a olhar em direção ao público. Uma presença silenciosa que parece dizer que ele também enfrenta os reveses da vida.

Cada inserção é uma metáfora. Rembrandt se coloca dentro da narrativa, mas não como protagonista: é testemunha. Seu rosto, quase sempre presente, mesmo que distante, camuflado, oculto, não era questão de vaidade. Rembrandt escrevia poesia com suas pinceladas, como quem nos fala do desejo de ser visto sem ser exposto, de existir na linha tênue entre a verdade e a teatralidade. Como quem diz: estou vivo e sinto essas angústias, mas não é sobre mim.