Pouca gente em Hollywood tem fugido tanto das expectativas quanto Adam Sandler. Se o trabalho de Sandler — famoso por besteiróis a exemplo dos dois longas da franquia “Gente Grande” (2010-2013) e “Cada Um Tem a Gêmea Que Merece” (2011), dirigidos por Dennis Dugan, além de “O Zelador Animal” (2011), de Frank Coraci — ficou marcado por papéis em que nunca conseguia superar as obviedades do roteiro, mostrando o mesmo lado de personagens nem tão diferentes entre si, não se pode negar que nas vezes em que se arrisca ele vai muito bem. Ao longo dos anos 1990 e 2000, Sandler consolidou-se como astro de filmes de apelo assumidamente popular, como “O Paizão” (1999), levado à tela por Dennis Dugan, e “Como Se Fosse a Primeira Vez” (2004), de Peter Segal, juntando escracho e ternura. Nessa época, o comediante passou a dividir espaço com o “ator sério”, e “Embriagado de Amor” talvez seja a evidência indiscutível da vontade que Sandler tinha de explorar outras faces de seu talento, comprovada em “Joias Brutas” (2019), a cargo dos irmãos Safdie, e “Arremessando Alto” (2022), de Jeremiah Zagar. Em “Embriagado de Amor”, Anderson alia comédia, romance e drama, dispondo de Sandler para galvanizar cada um desses momentos.
Barry Egan, vendedor de desentupidores de privada (!), experimenta toda sorte de infortúnios, pequenos e grandes, e pela sequência de abertura isso fica claro. Conversando com um agente de viagens, entusiasmado, mas também apreensivo, Barry imagina que comprando pudins consegue acumular a quantidade necessária de milhas aéreas para viajar pelo resto da vida, e de maneira despretensiosa Anderson constrói um dos personagens mais nonsense da história do cinema. Atentando contra a lógica, uma mulher estaciona nas imediações do galpão onde ele trabalha e entrega-lhe as chaves, para que manobre o carro quando a oficina que funciona no mesmo quarteirão abrir. Depois, um automóvel capota na rua em frente e deixam um cravo na calçada (!!); como se não fosse o bastante, suas sete irmãs (!!!) ligam todas quase ao mesmo tempo, exigindo que não falte a uma confraternização na casa de uma delas. Sandler replica com esmero o modo de operar de humoristas como Jerry Lewis (1926-2017) ou até Buster Keaton (1895-1966), e o diretor-roteirista manipula a audiência para um segundo ato melancólico, mas não depressivo.
Lena Leonard, a tal mulher que viera em busca de socorro mecânico, é uma executiva com quem Barry sai para jantar, ainda que uma de suas irmãs não deixe de ser lembrada. Ele se levanta, vai até o banheiro, quebra a porta, esmurra o espelho, volta à mesa com a mão sangrando e é convidado a retirar-se. Milagrosamente, o encontro de Barry e Lena não se encerra aí, e ainda que possa ter achado a mulher que o completa, ele continua a se envolver em todas as confusões possíveis. Emily Watson oferece o contraponto perfeito à pulsão autodestrutiva de Barry, que telefona para um serviço de sexo online, mas não consegue um atendimento satisfatório. Encarcerado na cornucópia de problemas que ele mesmo cria, agora Barry é perseguido por quatro irmãos loiros da empresa pornográfica, cujo encargo é fazê-lo pagar o que deve e infernizá-lo um pouco mais. Ele não consegue usar as milhas que tão diligentemente havia juntado, mas assim mesmo foge para Honolulu, revendo Lena na praia de Waikiki. Nos filmes de Anderson, como sói acontecer, não se tem muita ideia do que passa pela cabeça das criaturas insanas que o diretor põe em cena, enriquecidas pelo talento de Philip Seymour Hoffman (1967-2014) na pele de Dean Trumbell, o dono de uma loja de colchões que ramificou seus negócios para uma central erótica. Hoffman compõe um antagonista pleno de nuanças, e o trio que completa com Sandler e Watson preenche eventuais lacunas narrativas num enredo bem mais profundo do que parece. “Embriagado de Amor” nos deixa tontos, e isso é ótimo.
★★★★★★★★★★