O homem passa a vida defendendo-se de seus próprios impulsos, abafando a vontade de rebelar-se contra toda a insana fantasia que o cerca, e dessa forma refina o propósito de se aperfeiçoar, de fazer da permanência neste plano um tempo um pouco menos atribulado. Sempre haverá episódios sobre os quais pouco se sabe — ou sobre os quais não se sabe tudo — envolvendo a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). A Segunda Guerra continua sendo o saco sem fundo da História, e quanto mais se mexe, mais surgem enredos sempre macabros, por óbvio, mas que também guardam notas divertidas a respeito dos vilões e, mais importante, dos heróis que ganharam fama durante esse triste momento da humanidade. Dotando seu trabalho de ritmo, guinadas muitas vezes artificiosas, mas tecnicamente irrepreensíveis, referências metalinguísticas pouco óbvias e, sobretudo, humor, o tailandês Wisit Sasanatieng faz de “Ladrões de Ouro” o resgate de uma trama desconhecida pelos ocidentais, mas digna de filme. Levando a termo uma proposta ousada, Sasanatieng e os corroteiristas Weeravat Chayochaikon e Pipat Jomkoh esmiúçam os ardis de um grupo de rebeldes que desafia o exército nipônico para assaltar um trem carregado com uma fortuna. E, claro, coisas estranhíssimas acabam por acontecer.
Os ladrões do título querem para o si o ouro transportado para a Malásia, e estão dispostos a tudo para tê-lo. Fundindo comédia, ação, drama e um pouco de faroeste, Sasanatieng assume um ponto de vista declaradamente patriótico acerca dos confrontos entre seu país e o Japão. Os discursos de legitimação imperialista, como a “missão civilizadora” e a crença na superioridade racial, é um argumento que o diretor sabe explorar, apontando as injustiças e os ressentimentos que foram cristalizando-se entre as duas nações. Trabalhando com essa premissa, o filme abrevia o espaço entre diversão e política, chegando a ensaiar teses acerca da atual criminalidade na Tailândia, baixa em comparação com seus vizinhos do Sudeste Asiático. Na primeira sequência, o bando de Kowa Thung Song planeja o ataque às tropas de Hirohito (1901-1989) de uma maneira insólita: eles põem para tocar no gramofone o som de um pássaro-de-fogo-siamês, a ave nacional da Tailândia, e a partir desse ponto as situações de um vívido nonsense da trama adquirem uma forma. Sasanatieng nunca volta atrás quanto à estética carnavalesca da narrativa, o que se comprova pela onipresença da computação gráfica. Petchtai Wongkamlao lidera um elenco afinado e talentoso, num filme para os já iniciados, que sabem que nem tudo que reluz é ouro. E, assim mesmo, tem valor.
★★★★★★★★★★