Malgrado fundamental para a vida em sociedade, a fim de suportarmo-nos uns aos outros, a política não tem quase nada de prazeroso, a não ser, claro, para aqueles que mesmo depois que cinquenta anos na atividade, não conseguem largar o osso, tão absorvidos estão pela atmosfera nebulosa que o poder emana. A política vicia, disso todos sabemos, eles mais que nós. A tentativa de se estabelecer alguma ordem que reja o caos da natureza humana — que apenas reflete a biologia, indisciplinada, selvagem, caótica —, é a função precípua do expediente político, sem o qual os indivíduos já teriam voltado à selvageria da Idade Média (476-1453), ou ainda à violência cândida da Idade da Pedra, em que o homem matava “apenas” para defender-se dos inimigos que ameaçavam seu território, a pureza de suas mulheres ou o desenvolvimento de sua prole, e tão cômodo se encontrava em tal cenário que nele ficou por quase três milhões de anos. “Refém” escancara os confusos bastidores da política, um ambiente insalubre onde chantagem, ameaças, truculência e crimes de toda sorte desabam sobre duas mulheres poderosas, e então uma dura escolha se impõe. Em cinco episódios, Matt Charman destrincha uma cornucópia de dilema morais, deixando no ar uma tensão que só se dissipa na hora certa.
Abigail Dalton tenta levar uma vida normal, embora carregue nas costas o peso da decisão mais importantes de sua carreira. Ela arranha uma justificativa filosófica para ter chegado aonde está, e a sequência de abertura deixa evidente que essa não é mais uma série apenas sobre política e suas trapaças. Na conversa que Abigail tem com o marido, Alex, surge logo a possível candidatura à liderança do partido e, por conseguinte, ao mandato de primeira-ministra, e isso, ela sabe, vai arrastar a família toda para o centro de um turbilhão feito de momentos de glória e de impropérios nem sempre justos e ataques desleais movidos pelo rancor. A escolha entre família e trabalho nunca deixa de pairar como um ave de mau agouro por cima da cabeça de Abigail, e quando ela finalmente torna-se a chefe de governo do Reino Unido, precisa tomar cuidado com o que parecia ser seu grande sonho. Na primeiro compromisso no número 10 da rua Downing, Abigail recebe a presidente da França, Vivienne Toussaint, e as duas deliberam a respeito da necessidade de se manter hígidas as contas públicas — achando ocasião também para trocar dicas sobre ângulos para fotografias. Charman prima pela sutileza ao contar a história de duas mulheres em altos postos de comando, encarnadas com traquejo por Suranne Jones e Julie Delpy, e o debate levantado no que concerne à habilidade feminina no métier jamais fede a proselitismo rasteiro. A estratégia é fundamental na hora em que a narrativa assume sua essência noir e desemboca no plano para sequestrar Alex, infectologista dos Médicos Sem Fronteiras em campanha na Guiana Francesa com outros colegas.
A única exigência dos bandidos para a libertação de Alex é que Abigail renuncie, e desse ponto em diante o enredo concentra-se ainda mais na personagem de Jones, desdobrando-se por administrar uma crise que a acerta na intimidade e em seu desempenho como governante. Do outro lado do Canal da Mancha, Vivienne é coagida por causa de um escândalo do passado, e então “Refém” aprofunda-se na dialética do sacrifício pessoal versus o dever público, a manipulação do poder e a complexidade das alianças políticas em tempos duros e ingratos. Mais atual, impossível.
Série: Refém
Criação: Matt Charman
Ano: 2025
Gêneros: Thriller político
Nota: 8/10