A vida é um intervalo curto entre nascer e morrer, durante o qual o homem persegue respostas para questões as mais complexas, as mais incômodas, sabendo que não irá encontrá-las, ou, pior, pensará tê-las encontrado, até que, muito tempo depois, terá de admitir que precipitou-se. Assim mesmo, cada um toma sua cruz e busca sentido para a caminhada, achando uma ou outra mão amiga, umas vacilantes, outras mais firmes, e o medo e a esperança muitas vezes acabam tornando-se uma coisa só. O amor pelo amor não basta. As borboletas amam-se umas às outras, embora jamais venham a saber disso, e nunca sequer tenham a consciência de que de fato são borboletas e não apenas fazem parte do delírio de algum filosofo chinês. Os desencontros de um homem e uma mulher tomam corpo em “Em Meus Sonhos”, comédia romântica que faz dos devaneios — os acintosamente vivos e os que já quase calados pela agonia da longa espera ultrapassam todos os obstáculos e suprem carências afetivas de outros carnavais — a matéria-prima de uma trama que se sustenta no conceito do amor como um sentimento nobre, porém muito frágil. Kenny Leon transforma a imagem batida de amantes que perdem-se uns dos outros num conto de fadas pós-moderno, alfinetando a idealização dos relacionamentos e a maneira como as pessoas buscam calor na solidão do nosso tempo, glacial e ubíqua.
O amor pode ser como os perfumes, que evolam sem que se perceba, conquanto sempre deixem seu rastro de fragrâncias ora adocicadas, ora cítricas, quase azedas; como as cores, luminosas feito o sol numa tarde de verão, ou tão lúgubres e escuras que tingem de morte o que deveria sembrar apenas o existir mesmo. Dias de caos dão lugar às noites frias em que a cama parece um deserto branco de lençóis que a fadiga do corpo ajuda a vencer. No entanto, sempre chega a hora em que a solidão renuncia a suas eventuais delicadezas e põe de fora as garras, sabendo exatamente por onde começar seu ataque. Relações são quase sempre pautadas por crises, e não é incomum encontrar gente que diga ser adepta de um súbito gelo a fim de que a chama do amor arda outra vez, com mais força. Sempre buscado, o sentimento amoroso é uma quimera ora plausível, ora absurda e como uma produção típica Hallmark, “Em Meus Sonhos” bate na tecla da fantasia, evocando um aspecto de conto de fadas, situando-a no contexto de uma sociedade marcada pelo desencontro. Teena Booth e Suzette Couture, as roteiristas, concentram a história em Providence, uma cidadezinha de Rhode Island, na Nova Inglaterra, onde moradores e turistas do mundo inteiro atiram moedas na fonte Hayward, em troca da realização de desejos. Natalie e Nick estão ali por perto, cada qual acompanhado de sua turma e com necessidades opostas.
Nick Smith caminha para a terceira década de vida sem jamais ter conseguido engatar um namoro sério com ninguém, motivo de exagerada preocupação não dele, mas da mãe, que vive a apresentar-lhe pretendentes. O mais novo plano de Charlotte foi combinar com Lori Beth Wacker, uma antiga namoradinha do filho dos tempos de colégio, que aparecesse de “surpresa” no parque onde fica o centenário chafariz, e situações como essa dão o tom de austera soberania do destino que permeia a narrativa. Booth e Couture explicam que a fonte tem o poder de usar o inconsciente de quem solicita um desejo para fazer a revelação de um grande amor e onde achá-lo, e assim Charlotte espera que aconteça com Nick, que não se mostra tão entusiasmado, muito menos crédulo. Sharla quer o mesmo para Natalie, mas até que venha o final feliz, o futuro casal amarga uma sucessão de dissabores profissionais, ele tentando emplacar um projeto ambientalmente sustentável para a construção de pontes, e ela perseguindo o êxito com o restaurante que herdou dos pais, sempre vazio.
“Em Meus Sonhos” às vezes lembra melodramas românticos clássicos como “A Felicidade Não se Compra” (1946), de Frank Capra (1897-1991), pródigos em mensagens acerca de um amor poderoso o bastante para transcender barreiras físicas, cronológicas ou sobrenaturais. Katherine McPhee e Mike Vogel têm bons momentos — mais separados que juntos, que se diga —, mas o gosto de lata insiste em perdurar até o desfecho, previsível, como se poderia desejar.
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