A tragédia das disputas fratricidas romperam laços de união e afeto e marcaram a História. No plano simbólico, essas pelejas representam um gênero muito peculiar de colapso. A dor causada por um adversário íntimo, que conhece as vulnerabilidades de seu contendor, é especialmente cruel. Não existem vencedores, apenas escombros porque quando irmãos lutam em lados opostos, a humanidade dá um sinal inequívoco de seu fracasso. Episódios como a rivalidade entre Rômulo e Remo, os míticos fundadores de Roma, ilustram a gravidade dessas confrontações. A lenda dos irmãos pastores que sobrevivem a um dilúvio, são capturados por uma tribo inimiga e escapam, para criar uma nova civilização, nunca deixou de ser contada e repetida, atravessando gerações e inspirando conquistas. Matteo Rovere esclarece uns pontos e romantiza outros em “Rômulo & Remo — O Primeiro Rei”, uma releitura bastante idiossincrásica sobre a fundação de Roma. Rovere e os corroteiristas Filippo Gravino e Francesca Manieri carregam de simbolismo (e sangue) um enredo fantástico, que desdobra-se em cenas de estética irrepreensível levadas por um elenco afinado.
A cada cena, é mais nítido o sentimento de que os irmãos vivem entre dois mundos, carregando um mapa invisível de uma terra perdida e fazendo um grande esforço para que a melancolia não os envenene. Os filhos de Marte e de Reia Sílvia são mandados para Alba Longa, marchando quase nus com outros forçados ao longo de uma cadeia de montanhas, onde uma sacerdotisa num manto encarnado os recebe. Ela os coloca para duelar com gladiadores e nos momentos de solidão profunda da cela, os irmãos põem em marcha seu plano de fuga, bem-sucedido até o momento em que Rômulo é esfaqueado no estômago. Rovere é um obcecado por detalhes e o realismo desses primeiros lances pega o espectador de surpresa, numa alternância de tensão e até certo lirismo. As batalhas são um capítulo à parte na trama, nunca somente homens que se enfrentam até a morte, mas também desterrados em busca de um chão para chamar de seu.
O presságio da feiticeira é uma ameaça pela qual aqueles que conhecem a narrativa esperam ansiosos, e o diretor faz valer a espera. Na pele de Rômulo, Alessio Lapice dá azo à figura santa e diabólica que passa por cima de um elo ancestral movido pela convicção de que o tempo há de o absolver; Alessandro Borghi, por sua vez, compõe Remo realçando sua vulnerabilidade, sem sufocar o personagem em clichês e ecoar também sua parcela de importância na consolidação de Roma como a nova terra prometida, tudo em proto-itálico. Há três mil anos, impérios levantam-se e viram pó, mas ainda não aprendemos.
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