Um dos maiores suspenses do século 21 está deixando a Netflix. Últimos dias para assistir Divulgação / Synapse Distribution

Um dos maiores suspenses do século 21 está deixando a Netflix. Últimos dias para assistir

“Ted Bundy: A Confissão Final”, dirigido por Amber Sealey, é um filme que escolhe um caminho menos percorrido dentro do gênero true crime. Em vez de reconstituir os assassinatos cometidos por Ted Bundy entre 1974 e 1978, a narrativa se fixa no processo de escuta conduzido pelo agente do FBI Bill Hagmeier, nos últimos anos da vida do criminoso. A relação entre os dois é o cerne do filme: quatro anos de encontros regulares em que Bundy gradualmente confessa seus trinta homicídios e, mais do que isso, revela como organizava sua própria imagem até mesmo sob confinamento.

A direção evita todos os atalhos fáceis de produções centradas em figuras violentas. Não há flashbacks dos crimes, nem efeitos sonoros ou visuais que visem ao impacto imediato. O horror aqui é mais frio, sustentado pelo peso da linguagem e pela dinâmica psicológica entre o criminoso e o agente que o ouve. Isso exige uma atenção constante do espectador e recusa a catarse.

Luke Kirby entrega uma interpretação que rejeita o arquétipo do psicopata performático. Seu Bundy não é histérico nem animalesco, tampouco excessivamente carismático. É preciso, pausado, comedidamente manipulador. A ameaça está nas entrelinhas, na maneira como ele constrói frases, recua, testa a resposta do outro. Kirby acerta ao não transformar Bundy num espetáculo de desequilíbrio. Há contenção, o que torna a presença do personagem ainda mais incômoda. Já Elijah Wood, como Bill Hagmeier, sustenta a ética da escuta. Seu trabalho é discreto, mas fundamental. Wood constrói um personagem que observa, analisa e se protege do fascínio que Bundy claramente tenta provocar.

O roteiro de Kit Lesser acerta ao entender que o que está em jogo não é o que Bundy fez, mas o que ele diz sobre o que fez — e como ele diz. As cenas são construídas quase exclusivamente em torno dos diálogos entre os dois homens, criando uma estrutura quase teatral. A ausência de imagens dos crimes obriga o público a enfrentar algo mais difícil de processar: o discurso do assassino em tempo real, sem filtros.

A fotografia de Karina Silva complementa essa proposta. Os ambientes são fechados, dessaturados, sem qualquer glamour. A paleta de cores reforça a sensação de claustrofobia e aprisionamento. A câmera permanece estável, observadora. Há um senso de tempo real que aproxima o filme do estilo documental, sem que ele perca seu acabamento dramático.

Amber Sealey conduz o material com rigor e clareza. A diretora não tenta dramatizar o que já é, por si só, perturbador. Em vez disso, opta por uma mise-en-scène funcional, que respeita o tema e o espectador. O distanciamento proposto pela direção é ético: não há tentativa de seduzir o público pelo horror. E justamente por isso, o filme se destaca dentro de um cenário saturado de produções sobre serial killers que muitas vezes caem na armadilha de glamourizar seus protagonistas.

A execução de Bundy, em 1989, é tratada com a mesma sobriedade do restante da narrativa. Não há imagens do ato, nem dramatizações sentimentais. O filme encerra-se com a noção de que Bundy nunca pediu perdão, mas esperou clemência até o último momento. O que permanece é a consciência de um vazio que não se resolve com punição.

“Ted Bundy: A Confissão Final” não traz grandes revelações factuais sobre o caso. Mas oferece algo mais valioso: uma leitura madura sobre o que significa ouvir, resistir ao fascínio do mal e manter a integridade diante dele. É um filme que exige atenção e recusa simplificações. Não explica o monstro. Mas mostra como ele pensa, como se apresenta e como usa a linguagem para manter o controle.

O resultado é uma obra precisa, ética e desconfortável na medida certa. Um exemplo de como o gênero pode ir além do espetáculo e se aproximar de uma reflexão real sobre responsabilidade, escuta e os limites do entendimento.

Filme: Ted Bundy: A Confissão Final
Diretor: Amber Sealey
Ano: 2021
Gênero: Crime/Drama
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★