Sherlock Holmes talvez nunca deixe de ser o detetive mais célebre da ficção. As primeiras histórias protagonizadas pelo inspetor, um filho de camponeses nascido em meados do século 19, começaram a ser publicadas em 1887, e incontinente o britânico Arthur Conan Doyle (1859-1930) tornou-se um dos escritores mais incensados de seu tempo. Com o passar dos anos, minguou o interesse do público por aquele homem delgado, sempre envolto numa grossa bruma de mistério (e fumaça de cachimbo), fenômeno que poderia ser explicado pelo imediatismo da inteligência artificial, pela imaginação cada vez mais escassa do leitor, e, claro, pelos caprichos do politicamente correto. O “Sherlock Holmes” de Guy Ritchie, no entanto, tem o condão de resgatar boa parte do espírito aventureiro do personagem-título. O roteiro de Michael Robert Johnson, Simon Kinberg e Anthony Peckham trafega com desenvoltura entre esses dois polos, o do saudosismo do passado e aquele que indica um futuro muito menos glamoroso, às vezes até esticando a corda a fim de alcançar um certo frescor narrativo.
Holmes divide-se entre descobrir a identidade de criminosos que afrontam a Scotland Yard em meio às insurreições das massas e agourar o casamento do doutor John Watson, seu fiel escudeiro, num recorte que determinados comentaristas enxergam, com boa medida de razão, como homoafetivo. A água-furtada do número 221B da rua Baker segue caótica, com livros e papéis a cobrir o assoalho, e há alguns meses nosso xereta profissional não consegue um novo caso — na verdade, ele os rejeita, decerto confiando em seu faro para uma missão deveras gloriosa, até que ela aparece. Aqui, o inspetor é chamado a esclarecer uma série de homicídios bárbaros atribuídos ao satanista Lord Henry Blackwood, o que pretende fazer sem abandonar as competições de pugilato amador que vence ao cabo de uma ou outra fratura. O trio de roteiristas alicerça o enredo nessa tríade de personagens, cada qual com destaque quase cartesiano ao longo dos 128 minutos. Após uma introdução meio arrastada, Ritchie leva seu filme para o torvelinho de cenas de ação e sequências que reconstituem a Londres do século retrasado com o uso de computação gráfica de ponta, exatamente da forma que Conan Doyle gostaria.
Robert Downey Jr. surpreende na pele de Sherlock Holmes, e Jude Law abusa do charme como sempre, ao encarnar John Watson, mas Mark Strong agarra todas as oportunidades que lhe surgem no que concerne a fazer de Blackwood um vilão à altura da fama de seu antagonista. Depois de meio sumido, capturado por Holmes e Watson, submetido a julgamento e enforcado, ele deixa seu túmulo recorrendo a uma série de mandracas e uma fórmula milenar que o detetive revela na iminência da conclusão, o facínora está resolvido a executar um plano de vingança ao passo que não descuida de seu intento maior: fortalecer o Templo das Quatro Ordens, desestabilizar o governo da Inglaterra e assumir o poder — qualquer semelhança com o Brasil de 2025 não é mera coincidência. Os contos protagonizados pelo estranho casal Holmes e Watson são célebres pela aversão às mulheres, mas Rachel McAdams garante um lugar ao sol como Irene Adler, um amor de juventude do anti-herói. É pena que Mary Morstan, a noiva de Watson vivida por Kelly Reilly, acabe por ser miseravelmente desperdiçada.
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