Edward Bloom está à morte e precisa entender-se com o filho. O jornalista Will sente-se enganado por não saber nada sobre a verdadeira vida do pai, um compulsivo contador de causos fantasiosos que diz protagonizar. Em “Peixe Grande e Suas Histórias Maravilhosas”, Tim Burton tem toda a liberdade para fazer o que faz como nenhum outro diretor: inventar. Esmiuçando um tema aparentemente banal por 125 minutos, Burton conserva o interesse de públicos variados ao abrir mão do tom gótico habitual e enveredar por uma abordagem lírica, mas não menos excêntrica e inventiva. O roteiro de John August, uma adaptação de “Peixe Grande — Uma Fábula de Amor Entre Pai e Filho” (1998), mistura de épico e realismo mágico de Daniel Wallace, equilibra-se entre o sonho e uma dura realidade, erigindo uma análise tão afetiva quanto engenhosa sobre como driblar a finitude.
Tem-se a impressão que tudo que Edward viveu foi um delírio, que ele partilhou apenas com os mais chegados. Ele está imóvel, agonizando no quarto em que passou as noites com a esposa, Sandra, à espera de Will, que mora em Paris e não faz mais nenhuma questão de fingir gostar de ser cúmplice de seus devaneios. Na verdade, Will volta na esperança de que Edward afinal esclareça os pontos mais absurdos do que consegue se lembrar das narrativas paternas, e esse é o gancho de que o diretor vale-se para levar o espectador por uma viagem metafísica, durante a qual nada é o que parece e tudo tem uma razão (obscura) de ser. Edward começa o filme na pele de Albert Finney (1936-2019) e retrocede à juventude encarnado por Ewan McGregor, revivendo experiências únicas, entre elas a ocasião em que conheceu uma bruxa cujo olho de vidro revela a modo como o interlocutor vai acabar seus dias. Ou quando visitou o circo de Amos Calloway, onde tornou-se amigo de figuras bizarras a exemplo do gigante Karl, vivido por Matthew McGrory (1973-2005).
Edward passeia pelo contraste entre o real e o ilusório urdido por Burton, que transforma os flashbacks num vaudeville buliçoso, moldado pela fotografia de Philippe Rousselot e pela edição de Chris Lebenzon. Billy Crudup segura os lances dramáticos com admirável frieza, ao passo que McGregor encanta numa defesa convicta do Edward moço, especialmente nas cenas em que aparece com a jovem Sandra de Alison Lohman. Edward apropria-se da identidade sugerida no título ao enfrentar um peixe-gato enorme como um tubarão, mas também investe da aura de celebridade ao saltar de paraquedas num espetáculo do Exército Vermelho na China.
McGregor brilha, mas o elenco de coadjuvantes, integrado por Jessica Lange, Helena Bonham-Carter e Danny DeVito, reforça o sentimento de que Burton quer remexer o baú de ossos não do velho Edward, mas de cada um de nós, muito mais abarrotado de memórias do que supomos. “Peixe Grande e Suas Histórias Maravilhosas” tem algumas das sequências mais emocionantes do cinema, como quando o protagonista, já confuso devido ao último embate com a indesejada das gentes, pergunta ao filho como ele iria morrer. Ou ao apresentar, depois de Edward já morto, as cenas em que se despede dos inúmeros — e tão exóticos — tipos que passaram por sua vida para tornar-se, enfim, quem de fato sempre fora.
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