Desde os tempos antigos, o amor inspira mitos, tragédias, poemas, músicas, revoluções. Entretanto, tão sublime quanto monstruoso, o mais humano dos sentimentos é também terreno fértil para desencontros, mal-entendidos, brigas, separações, silêncios prolongados e promessas que se escrevem no mar, com o vento. Na busca eterna por plenitude, o homem vai esbarrando na constatação de que o amor é, muita vez, uma fantasia; idealizam-se romances, parceiros eventuais que sempre deixaram claro, tacitamente ou nem tanto, que não têm nada a ofertar além de esporádicas horas de prazer fortuito viram príncipes e fadas; erigem-se no ar os castelos que abrigarão um sonho natimorto. É justamente na lacuna entre o desejo e a realidade que a insânia campeia. Quando duas pessoas se apaixonam, passam a dividir planos e temores, quase sempre distintos. Não raro um ama mais que o outro, precipita-se, mete os pés pelas mãos. O amor não é harmonia e silêncio, mas, feito a vida mesma, um torvelinho de som e fúria.
O tempo tem um triste papel nas relações amorosas. O que principia como um encontro de almas sedentas uma da outra no aconchego de uma alcova, pode findar numa guerra pública e indigna por hegemonia, sobre o patrimônio que juntos amealharam ou, pior, sobre seus descendentes imediatos. Os filhos são os primeiros a acusar o golpe de um casamento arruinado, e quiçá nunca superem um fracasso que não é seu. Amor que acaba nunca foi amor, diz um mestre no assunto, mas é um desafio manter acesa a chama frente a um cotidiano massacrante, de luta inglória pela sobrevivência. Ser capaz de vencer a aura de enigma que ronda o encantamento que é amar e ser amado é um proeza heroica, que educa acerca de limites, possibilidades, conquistas, malogros, um delicado amálgama de sensações que são a própria raiz da condição humana.
Nas artes, as trapaças e trapalhadas do amor são um tema recorrente. Desdobrando-se em torno de namoros funestos, cartas misteriosas e aterradoras — ridículas, como devem ser —, beijos roubados e ardentes, tapas que excitam e palavras que fazem sangrar, as histórias de amor nunca saem de moda. Pela própria natureza, o cinema em especial tem o condão de perenizar a vontade que, em maior ou menor grau, todos temos quanto a compreender a excelência do ilógico chamada amor. Os cinco filmes da lista abaixo falam das inconstâncias e das perversões do amor, que por seu turno, jamais se cansa de lançar-nos ao rosto nossas mil vulnerabilidades. Mas se amar é sofrer, não amar o que é?

Dirigido por Danny Boyle e escrito por Richard Curtis, “Yesterday — A Trilha do Sucesso” parte de uma premissa original e intrigante: e se ninguém, além de uma única pessoa, se lembrasse dos Beatles? O protagonista Jack Malik vivido por Himesh Patel é um músico fracassado que acorda após um acidente num mundo onde a lendária banda nunca existiu — e decide reivindicar as canções como se fossem suas. A ideia oferece vasto potencial para reflexões sobre autenticidade, memória cultural e o verdadeiro valor da arte, mas o filme opta por um caminho mais leve e romântico, deixando de explorar essas camadas mais profundas. Boyle imprime um ritmo dinâmico à narrativa, enquanto Patel entrega uma atuação simpática, equilibrando ingenuidade e dilemas éticos. A trilha sonora, composta por clássicos dos Beatles, é o grande trunfo emocional do longa, funcionando como elo nostálgico com o público. Lily James brilha como Ellie, a amiga e interesse amoroso de Jack, embora sua personagem pudesse ser mais bem-aproveitada. Apesar de sua originalidade conceitual, “Yesterday” recua em ousadia e se rende a fórmulas seguras da comédia romântica. No fim, é um filme encantador e divertido, mas que poderia ter sido mais provocativo e memorável.

Já houve um tempo em que ser mulher era uma batalha de todo santo dia. Ter o respeito da própria família, dos amigos, da comunidade, do Estado passava por fazer tudo quanto os homens mandavam, primeiro o pai e os irmãos, depois os professores e quando se concluíam os anos de estudo destinados a seu gênero, casar-se com o marido que escolheram para ela, o homem a quem teria de obedecer para o resto da vida, seu senhor e seu dono, a quem deveria prestar contas até de seus sonhos mais obscuros. Uma garota selvagem da Carolina do Norte suporta os desmandos de uma existência de privações no que pode haver de mais básico até que começa a virar a mesa, pagando um preço alto por sua liberdade. “Um Lugar Bem Longe Daqui”, romance da americana Delia Owens publicado em 2018, é o grito de socorro de um espírito atormentado, mas não só. O enredo oscila entre três fases da história de Catherine Danielle Clark, a Kya, nos pântanos da fictícia Barkley Cove, escapando de um pai bêbado e abusivo para cair nas mãos de um pretendente que a ilude com juras de amor que não pode cumprir até que sobrevenha-lhe a desgraça que por pouco não a arruína. Owens é hábil em conduzir o leitor por pistas falsas, sempre priorizando a visão de sua anti-heroína, até despejar a grande revelação que não chega a escandalizar ninguém, mas não deixa de ser perturbadora ao instilar nosso ódio a posturas que sabemos erradas, mas que não temos o condão de mudar.

Dizer que os verdadeiros romances, aqueles que unem duas pessoas distintas entre si, dois mundos que em outras circunstâncias jamais se poderiam encontrar, têm o poder da cura é muito mais que um surrado clichê em “Amor e Outras Drogas”, bela alegoria sobre o quão maduros podem estar para o envolvimento afetivo um homem demasiado ambicioso e uma mulher despojada, numa quadra especialmente difícil de sua já combalida existência. Em outra mostra de que domina relações humanas como poucos, Edward Zwick enfronha-se na vida de um casal que parece não depender dele para nada, tamanha a afinidade que os protagonistas manifestam. Repetindo o bom desempenho de “O Segredo de Brokeback Mountain” (2005), Anne Hathaway e Jake Gyllenhaal encarnam um casal a um só tempo coeso e insólito, como no faroeste gay de Ang Lee — no qual Hathaway, por óbvio, não era o centro das atenções. Até lá, contudo, o roteiro de Zwick, Marshall Herskovitz e Charles Randolph prima por escancarar as diferenças abissais que levam-nos, ao custo da teimosia alimentada por um senso de autopreservação meio opressivo, a se deixar consumir pela chama que nunca para de arder. O diretor e seus corroteiristas lançam mão de recursos visuais a exemplo de ternos de rebuço largo e bips a fim de localizar a trama nos últimos anos da década de 1990, quando o Viagra passou a ser encarado à luz do milagre por devolver a potência viril a septuagenários ou sessentões, por si só uma evidência de que uma era de negócios polpudos se descortinava.

“Uma Vida em Sete Dias” é uma comédia dramática estrelada por Angelina Jolie e Edward Burns que mistura elementos de romance, crítica à superficialidade e dilemas existenciais. Jolie interpreta Lanie Kerrigan, uma ambiciosa repórter de televisão cuja vida parece perfeitamente planejada — até que um profeta de rua lhe diz que ela morrerá em sete dias. A partir dessa previsão, Lanie é forçada a reavaliar suas prioridades, questionando a autenticidade de suas escolhas e a real felicidade por trás de sua imagem bem-sucedida. Stephen Herek trabalha com a clássica ideia da transformação pessoal diante da morte iminente, valendo-se de metáforas sobre autoconhecimento. Jolie exibe uma performance carismática, dosando humor, fragilidade e arrogância, enquanto Burns cumpre bem o papel de contraponto sensível. A direção de Herek mantém o ritmo leve, sem mergulhar de fato nas angústias existenciais que o tema poderia suscitar. O filme oscila entre o inspirador e o previsível, oferecendo reflexões simplificadas sobre autenticidade e propósito. No fim, “Uma Vida em Sete Dias” é agradável e acessível, mas carece de profundidade emocional e ousadia narrativa.

Dirigido por James Mangold, “Kate & Leopold” é uma comédia romântica que mistura elementos de fantasia e viagem no tempo, centrando-se no improvável romance entre Kate, interpretada por Meg Ryan, uma executiva moderna e cética, e Leopold, de Hugh Jackman, um duque do século 19 que chega ao presente por acaso. O filme brinca com o contraste entre eras, valores e modos de vida, explorando o conflito entre a lógica pragmática do mundo contemporâneo e o romantismo idealizado do passado. A atuação carismática de Jackman confere charme e elegância a Leopold, tornando verossímil sua presença anacrônica, enquanto Ryan entrega uma performance contida, porém eficaz, como a mulher dividida entre razão e emoção. Mangold opta por uma direção clássica e discreta, permitindo que a trama se desenvolva com leveza, embora por vezes caia em clichês previsíveis do gênero. A trilha sonora delicada reforça o tom nostálgico e sonhador do enredo. Apesar de sua proposta fantasiosa exigir uma certa suspensão da descrença, o filme consegue envolver o espectador graças à química entre os protagonistas e ao humor sutil. No entanto, “Kate & Leopold” também é sintomático de uma Hollywood que, no início dos anos 2000, ainda apostava em fórmulas seguras e romances escapistas. É um filme que seduz pelo afeto e pela fantasia, ainda que não se aprofunde nas possibilidades filosóficas do tempo e do amor.