Entre os muitos títulos disponíveis nos catálogos de streaming, nem sempre é fácil encontrar filmes que mantenham algum tipo de consistência narrativa, direção atenta ou uma ideia mais sólida por trás do enredo. Não se trata de buscar obras-primas esquecidas ou tesouros escondidos, mas sim de destacar alguns filmes que, mesmo com estilos e propostas distintas, apresentam construção dramática minimamente cuidadosa, bons desempenhos e uma direção que confia na estrutura do próprio roteiro. Estão todos na Netflix e têm em comum o fato de não apostarem em soluções fáceis nem em reviravoltas gratuitas. São produções que respeitam o espectador sem exagerar na pretensão.
“O Quarto ao Lado”, longa recente de Pedro Almodóvar, é o mais contido da seleção: trata de temas delicados como amizade, autonomia e morte com sobriedade. “As Duas Faces de um Crime” segue um caminho mais clássico, com estrutura de tribunal, reviravolta final e uma atuação marcante de Edward Norton, em seu primeiro papel no cinema. Já “Cabo do Medo”, dirigido por Martin Scorsese, retoma um thriller dos anos 60, mas com intensidade visual e tensão familiar atualizadas. Robert De Niro está no centro da ameaça, mas o filme se apoia também em ambiguidades morais que escapam ao maniqueísmo fácil. Por fim, “Fogo Contra Fogo”, de Michael Mann, é talvez o mais amplamente reconhecido: um drama criminal centrado no confronto entre um detetive e um assaltante, interpretados por Al Pacino e Robert De Niro. Mais do que ação, o filme investe em ritmo, atmosfera e uma certa melancolia em torno dos códigos que movem cada um dos personagens.
São quatro filmes diferentes em tom e em época, mas que compartilham uma mesma intenção: trabalhar a tensão sem recorrer ao excesso. Funcionam bem justamente porque evitam exageros — tanto na forma quanto na ambição. Nenhum deles precisa ser genial para ser eficiente. E quando bem conduzidos, filmes eficientes costumam dizer mais do que aparentam.

Primeiro longa-metragem em inglês de Pedro Almodóvar, “O Quarto ao Lado” adapta o romance “What Are You Going Through”, de Sigrid Nunez, e leva às telas uma história íntima e delicadamente ética. Tilda Swinton vive Martha, jornalista de guerra diagnosticada com câncer terminal, que convida sua antiga amiga Ingrid (Julianne Moore), escritora de autoficção, para acompanhá-la em seus últimos dias, num retiro em Woodstock. O reencontro é marcado por silêncios, memórias de abandono e um pedido incomum: estar ao lado de Martha em um processo de eutanásia assistida. A direção de Almodóvar recusa o melodrama, optando por contenção, espaço e palavras bem medidas. Com fotografia de Edu Grau e trilha de Alberto Iglesias, o filme venceu o Leão de Ouro na 81ª Mostra de Veneza. “O Quarto ao Lado” é uma obra sobre autonomia, afeto e o direito de não mais resistir — contada com maturidade, respeito e precisão visual.

Baseado no romance de William Diehl, “As Duas Faces de um Crime” apresenta um thriller jurídico marcado por manipulação, vaidade e incerteza moral. Richard Gere interpreta Martin Vail, advogado de defesa que assume o caso de Aaron Stampler (Edward Norton), um coroinha acusado do assassinato de um arcebispo. O filme se estrutura em torno de um tribunal que se transforma em palco, onde discursos valem mais que evidências. A estreia de Edward Norton no cinema é um ponto alto incontestável: ele interpreta Stampler com camadas de ambiguidade que sustentam a tensão até o fim. O roteiro evita maniqueísmos e aposta em versões que se sobrepõem até a verdade parecer implausível. Dirigido por Gregory Hoblit com ritmo contido e foco em atuação, o filme questiona o valor da justiça como espetáculo. O desfecho redefine tudo o que veio antes — e reafirma a fragilidade das certezas jurídicas.

Escrito e dirigido por Michael Mann, “Fogo Contra Fogo” transcende o thriller policial para se tornar uma obra sobre simetria moral e solidão funcional. Robert De Niro interpreta Neil McCauley, ladrão profissional que comanda assaltos meticulosamente calculados. Al Pacino é Vincent Hanna, o detetive que o persegue com intensidade igual. O filme gira em torno do embate entre esses dois homens que, em lados opostos da lei, compartilham ética, disciplina e isolamento. A cena do café entre os dois tornou-se histórica: ali, o espelhamento atinge seu ponto máximo. Com fotografia urbana precisa e realismo tenso nas cenas de ação — em especial o assalto ao banco em Los Angeles —, Mann constrói um filme sobre destino e escolhas inescapáveis. O elenco de apoio, com Val Kilmer, Jon Voight e Ashley Judd, contribui para a densidade emocional. “Fogo Contra Fogo” é uma meditação sobre o preço de viver sem vínculos, mesmo quando se vence.

“Cabo do Medo”, dirigido por Martin Scorsese, é uma releitura sombria do clássico de 1962, agora transformado em um thriller psicológico de culpa e obsessão. Robert De Niro interpreta Max Cady, ex-presidiário que persegue o advogado Sam Bowden (Nick Nolte), responsável por ocultar provas decisivas durante seu julgamento. Cady representa não apenas uma ameaça física, mas um símbolo da desordem moral que implode a estrutura familiar. A direção de Scorsese utiliza simbolismos visuais, distorções óticas e um uso deliberado de cores saturadas para amplificar o desconforto. A trilha de Bernard Herrmann, adaptada por Elmer Bernstein, reforça a sensação de tragédia iminente. Juliette Lewis, como a filha de Bowden, traz uma carga ambígua e crucial para a escalada do conflito. “Cabo do Medo” não é apenas sobre vingança, mas sobre os limites da lei, a corrosão do lar e a persistência de culpas que jamais prescrevem.