Tem filmes que a gente só assiste porque alguém insistiu. E outros que a gente só descobre quando o ruído cansa. A Netflix tem dessas: uma movimentação constante de títulos indo e vindo, muitos deles já vistos, outros ignorados sem razão específica. Esta semana, quatro desses retornos chamam atenção. Não porque são grandes. Mas porque são suficientes.
Talvez você se lembre de “Yesterday”, que fez barulho na época por causa da ideia de um mundo sem Beatles, mas não entregou a discussão que parecia prometer. Ele voltou. E revendo, o que parece faltar se transforma em outro tipo de presença. O filme não responde nada, mas cutuca de leve. “A Cura”, de Gore Verbinski, também reaparece. É estranho, longo, exagerado, e por isso mesmo interessante. Um terror industrial com ambição estética rara.
“O Destino de uma Nação”, que rendeu prêmios a Gary Oldman, tem seu valor nos bastidores de guerra e nas pausas entre discursos. E há ainda “Um Maluco no Golfe 2”, que, apesar do título forçado e da sequência tardia, entrega mais do que aparenta. É despretensioso, mas funciona melhor do que certas comédias frescas lançadas com pretensão demais.
Esses quatro títulos, revistos hoje, oferecem algo raro. Não obrigam a atenção, mas a recompensam. Não são urgentes. E talvez por isso mereçam o fim de semana.

Anunciada como continuação tardia de um dos clássicos da comédia esportiva dos anos 1990, “Um Maluco no Golfe 2” retoma o universo nonsense de Happy Gilmore, agora interpretado por um Adam Sandler mais velho, mais cínico e com uma pontaria ainda mais errática. Dirigido por Kyle Newacheck, da série “Workaholics”, o filme aposta no humor autorreferente, misturando sátira esportiva, crítica ao culto da celebridade e piadas físicas, no limite entre o anacrônico e o propositalmente bobo. A trama envolve um torneio beneficente com ex-atletas, influenciadores e um vilão corporativo que quer transformar o golfe em reality show permanente. Sandler revisita seu personagem sem nostalgia forçada, apoiado em um roteiro que reconhece os excessos do primeiro filme e ri deles. Há espaço para aparições especiais, ganchos afetivos e provocações absurdas. O que poderia ser apenas uma repetição se revela, em certos momentos, uma reinterpretação — menos inocente, mais crítica. “Um Maluco no Golfe 2” não tenta convencer quem nunca se divertiu com o original, mas entrega ao seu público uma sequência com mais ritmo, mais caos e, surpreendentemente, mais consciência de si.

Um músico fracassado acorda em um mundo onde ninguém mais lembra dos Beatles. Essa é a premissa improvável de “Yesterday”, mas o que Danny Boyle constrói a partir dela vai além do humor ou da nostalgia. Jack Malik, vivido por Himesh Patel, percebe que pode usar as canções do grupo como se fossem suas — e rapidamente se torna uma celebridade. Mas o filme não trata apenas de fama e música: explora o peso da autoria, a fragilidade da memória cultural e o valor da honestidade em um tempo de reinterpretações constantes. Sem explicações técnicas para o apagão global, Boyle aposta na leveza e no absurdo para investigar temas mais sérios. A presença de John Lennon como um homem comum e anônimo oferece ao protagonista, e ao público, uma alternativa ética à fama. Com trilha impecável, humor bem posicionado e uma performance delicada de Lily James, o filme não reinventa os Beatles, mas os usa como espelho. O mundo sem eles pode funcionar. Mas perde parte da alma. É essa ausência que move o filme, mais do que qualquer reviravolta.

Em maio de 1940, com o exército nazista avançando pela Europa, o Reino Unido se vê à beira do colapso. Em meio ao impasse político, Winston Churchill assume o cargo de primeiro-ministro. “O Destino de uma Nação” acompanha os primeiros e mais decisivos dias de seu governo, quando a rendição à Alemanha parecia, para muitos, a única saída racional. Gary Oldman transforma Churchill em figura tridimensional: combativo, impulsivo, espirituoso, mas também vacilante, inseguro, pressionado por colegas de partido e por uma população dividida. Joe Wright filma os bastidores do poder com ritmo tenso e imaginação formal, sem perder de vista o peso da História. O filme evita a exaltação gratuita e apresenta Churchill como homem atravessado por medos e contradições, que precisa decidir não apenas entre guerra e paz, mas entre isolamento e responsabilidade moral. A ambientação, o uso da luz e os silêncios da narrativa acentuam a urgência de uma escolha que não era apenas militar, mas simbólica. O resultado é um retrato maduro de um momento-limite, que não reduz seu protagonista à lenda — e por isso mesmo o torna mais real.

Em “A Cura”, Gore Verbinski mistura horror psicológico com alegoria corporativa para contar a história de Lockhart, um jovem executivo enviado aos Alpes suíços para resgatar o CEO de sua empresa. O spa onde ele se hospeda promete tratamentos milagrosos, mas esconde uma história de experimentos, obsessões e controle. O filme caminha entre o realismo e o delírio, construindo tensão a partir de um ambiente clínico que logo se revela claustrofóbico. Verbinski, conhecido por sua inventividade visual, aposta aqui na estética do desconforto: planos simétricos, silêncios longos e uma paleta que vai do pálido ao podre. O horror não está apenas nos corredores escuros ou nos tanques de água, mas na estrutura de poder que o protagonista representa e desafia. O roteiro insinua críticas ao culto da longevidade, à indústria farmacêutica e ao capitalismo que consome seus próprios executivos. A narrativa se alonga e, por vezes, tropeça no excesso, mas o filme permanece coerente com sua ambição. “A Cura” não entrega respostas fáceis e tampouco se pretende acessível. É um experimento visual que exige entrega, e recompensa com desconforto — e alguma lucidez.