7 filmes que ainda fazem a assinatura da Netflix valer a pena

7 filmes que ainda fazem a assinatura da Netflix valer a pena

Dentro de uma única vida cabem universos inteiros. Viver é equilibrar-se entre polos, enquanto o destino, esfíngico e silencioso, costura sua trama por entre nossas escolhas e o acaso. O ser humano é, a um só tempo, autor e personagem da existência, e isso o condena a uma jornada em que o controle é sempre parcial. A saúde é invisível. Só notamos sua ausência quando ela se vai. A saúde é muda e a doença grita. Seu brado pode ser um arroubo ou um cálculo, mas sempre confronta-nos com a finitude. O corpo, máquina outrora eficiente, desmente sua infalibilidade, e isso muda tudo. Doenças não afetam apenas órgãos; elas transformam visões de mundo, derrubam e erguem as relações, redefinem as prioridades. Doentes não apenas padecem dos males do corpo, mas tentam encontrar uma lógica qualquer que explique o inaceitável. E, no entanto, é nesses momentos de falência da matéria que nossos instintos mais poderosos começam a aflorar. 

A vida não é uma estrada reta. Tem desvios, curvas, despenhadeiros. Recorre-se à imagem de um porto seguro para se falar de sucesso, mas ele é a própria instabilidade. A fortuna nunca é perene ou eterna. Quem vive apenas para alcançá-la experimenta um árido vazio quando a conquista. O fracasso, por sua vez, não é um rival absoluto: ele tem o dom de nos humanizar. Mostra que não somos deuses, bestas ou máquinas, mas seres em constante evolução. Fracassar é um convite ao recomeço, ainda que esse convite venha em forma de dor. Nesse balanço é que a vida tem razão de ser. Fracasso e doença são ambos mestres impiedosos, mas sábios. Eles aproximam-nos de uma verdade dura, mas tão inexorável quanto libertadora: ninguém controla coisa alguma.

O destino é uma força que arrebata sem pedir licença. Por mais que planejemos, que cuidemos da saúde, que dediquemo-nos à carreira, existem eventos que atravessam a lógica. Diagnósticos inesperados, acidentes, perdas subitâneas, um encontro fortuito: o destino age como um tirano que interrompe a narrativa que havíamos ensaiado para nós mesmos. E, no entanto, é nessas horas que renascemos. Há quem enxergue o fado como um roteiro já escrito e os que o veem como uma trama a ser urdida mediante decisões milimetricamente refletidas. Certeza jamais teremos, mas diante do imprevisível nossa reação tem muita importância. Na doença, podemos nos entregar ou lutar; no fracasso, podemos nos afundar ou aprender. Desse amálgama delicado de placidez e insubmissão na contingência faz-se o tal livre-arbítrio. O destino encarrega-se de embaralhar toda a ventura, de modo desastrado quase sempre, para que não nos iludamos, não deixemos a fé pelo caminho, tenhamos a coragem de tentar de novo.

No estranhamente poético “Oppenheimer” (2023), Christopher Nolan ilumina uma face complexa de Julius Robert Oppenheimer (1904-1967), o cientista mais importante do século 20 depois de Albert Einstein (1879-1955), um homem que lentamente esmorece diante de um impasse moral. Trajetória parecida teve John Forbes Nash Jr. (1928-2015), o matemático que revolucionou a teoria econômica desde Adam Smith (1723-1790), mas teve de aprender a desarmar uma refinada bomba para não ir pelos ares, perfilado por Ron Howard em “Uma Mente Brilhante” (2001). Nestes e nos demais cinco filmes desta seleção, vibra a ideia de paradoxo que ronda-nos a todos. Na morte está a renovação da vida; na doença, a reflexão sobre dar o necessário valor à saúde; por trás de cada retumbante fracasso, oculta-se um sucesso ansiando por estourar. Com coragem, sempre com coragem.

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.