5 livros que tratam o amor como Nietzsche tratava a esperança: cruelmente

5 livros que tratam o amor como Nietzsche tratava a esperança: cruelmente

Exaltado como o mais sublime (e o mais humano) dos sentimentos, o amor é quase sempre tomado pela fetichização que o cristaliza numa imagem romantizada, de pureza, consagração e salvífica recompensa. Entretanto, há um lado sombrio que os pactos sociais ocultam: a crueldade do amor. Em sua forma mais profunda e verdadeira, amar é uma experiência de abismo, de poder molesto, do qual ninguém furtar-se-ia a abrir mão caso tivesse a chance, uma sucessão de experiências tétricas que, não raro, dão em morte. Friedrich Nietzsche (1844-1900), o filósofo da suspeita, jamais caiu na armadilha, fácil e deleitosa, de idealizar o amor, ao contrário: desnudou-o de seus véus morais e desceu a seu fundo trágico, dionisíaco, de gozo imediato e violento.

Para Nietzsche, o amor está eivado de um instinto de dominação, de exercer sobre o outro total controle, possuí-lo para além do corpo, por óbvio, assenhorear-se de sua alma, história, tempo e destino. Amar vira um jogo perverso, ao longo do qual aprimoram-se os mecanismos que forjam o ser amado até que este ganhe o aspecto, a cara, a disposição, o temperamento que gostaríamos que tivesse. Como para Arthur Schopenhauer (1788-1860), a vida era somente uma vontade de vida, isto é, existimos sob a forma de mera sondagem de nossos próprios desejos, em especial dos mais vagos, quiçá monstruosos, o amor é para Nietzsche nada mais que a projeção dos desapontos e fracassos que só nós mesmos iremos conhecer.

Nietzsche não era um cético do amor, mas um pensador radical de suas ambivalências. Em “Assim Falou Zaratustra” (1883), um de seus livros mais famosos, ele aponta que o amor verdadeiro não pode nascer da carência, mas do excesso (“Amo aquele que quer criar além de si mesmo e assim perece”). O amor, portanto, só é digno se for uma afirmação de força, não uma urgência emocional. O amor que nasce do medo da solidão é ressentido, parasitário, mas o amor forte, criador, é feroz: demanda coragem para enxergar o outro sem reduzi-lo aos seus paradigmas — e isso é uma quimera.

A crueldade do amor está intimamente ligada ao descompasso: os dois raramente amam da mesma forma, na mesma medida, com a mesma intensidade. Um sempre ama mais, cede mais e, por conseguinte, espera mais, frustra-se mais, sofre mais. A assimetria é regra, não exceção. Nietzsche reconhece esse aspecto trágico do amor, essa dança entre o êxtase e a queda abrupta, entre o racional e o delírio mais feérico, e tem inspirado pensadores e romancistas a esclarecer os mistérios do contentamento descontente do labirinto amoroso. Nesta lista, figuram cinco livros, duros cada qual a sua maneira no que toca aos ardis cruéis do amor. Ninguém deixou de amar depois deles, mas decerto o amor perdeu muito daquela inocência malévola quando de sua publicação.

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.