Pode admitir, a gente sabe. Você já viu esses livros no topo da Amazon tantas vezes que eles praticamente fazem parte da decoração virtual da sua página inicial. Estão lá há mais de 150 dias, firmes e fortes, como aqueles amigos fitness que postam a corrida matinal no Instagram mesmo quando você está se arrastando para sair da cama. E, apesar de toda essa insistência, você ainda não leu nenhum deles. Talvez tenha pensado: “ah, deve ser modinha”, ou “um dia eu leio”, ou até mesmo aquele clássico “vou esperar o hype passar”. Mas a verdade é que esses livros estão lá por algum motivo, e pode ser que eles tenham algo que você está perdendo enquanto decide qual série mediana assistir no streaming hoje à noite.
Não estamos dizendo que tudo que vende bem é bom (alô, livros de autoajuda com título em caixa alta e três pontos de exclamação), mas convenhamos: ficar mais de 150 dias no topo de vendas não é pouca coisa. Para isso, o livro precisa conquistar leitores de perfis bem diferentes: desde quem lê 100 páginas por dia até quem só pega no livro quando acaba a bateria do celular. São obras que, de alguma forma, dialogam com o espírito do tempo, seja por uma trama viciante, por personagens cativantes ou por aquele toque de reflexão que faz a gente repensar a vida (ou pelo menos repensar o próximo post nas redes sociais). Ignorar esses títulos eternamente pode ser um tipo muito específico de teimosia, e ninguém quer passar a vida colecionando FOMOs literários.
Portanto, chegou o momento da reconciliação. Não com o algoritmo da Amazon (que continuará te sugerindo esses livros até o fim dos tempos), mas com sua própria curiosidade literária. Vamos apresentar aqui cinco títulos que, goste você ou não, já viraram fenômenos e merecem pelo menos uma chance antes de você descartá-los mentalmente como “livros para os outros”. Talvez você descubra que estava errado o tempo todo, e que o que faltava na sua vida era exatamente aquele romance com final óbvio ou aquele suspense cheio de reviravoltas. Ou talvez confirme sua resistência e volte feliz para o seu autor obscuro do século 19. De qualquer forma, o importante é não ficar de fora da conversa, porque, gostando ou não, todo mundo já está falando sobre eles. As sinopses foram adaptadas a partir das originais fornecidas pelas editoras.

Vencedor do National Book Award, James oferece uma poderosa reinterpretação de “As Aventuras de Huckleberry Finn”, agora narrada pela voz silenciada de Jim, o homem escravizado que acompanha Huck em sua jornada pelo rio Mississippi. Sob a pena afiada de Percival Everett, Jim torna-se James: um homem inteligente, culto e profundamente consciente de seu tempo, que oculta sua verdadeira identidade intelectual sob a máscara da subserviência para sobreviver em uma sociedade brutalmente racista. Mais do que uma simples releitura, Everett propõe uma crítica corajosa ao cânone literário e às versões históricas que relegaram personagens como James à margem da narrativa. O romance expõe com sutileza e ironia as contradições da América do século 19, e também as do presente, ao questionar quem tem o direito de contar a própria história. “James” é, ao mesmo tempo, um tributo à resistência e uma revisão brilhante de um clássico, que desafia verdades convenientes e recupera a dignidade de quem foi silenciado.

Neste poderoso romance contemporâneo, Brit Bennett acompanha as trajetórias divergentes das irmãs Vignes, gêmeas idênticas que, aos 16 anos, fogem de uma cidade do sul dos Estados Unidos onde a pele clara é vista como privilégio e obsessão. Anos depois, suas vidas seguem rumos opostos: uma retorna ao lar com uma filha de pele escura, rompendo as expectativas da comunidade, enquanto a outra constrói uma nova identidade, passando-se por branca em um mundo onde ninguém conhece seu passado. Ao longo de décadas, entre os anos 1950 e 1990, as histórias dessas mulheres, e de suas filhas, se entrelaçam em um enredo marcado por segredos, perdas e reencontros. Com maestria, Bennett aborda temas como colorismo, passabilidade racial e as escolhas difíceis impostas por uma sociedade racista. “A Metade Perdida” é um romance sensível e contundente sobre identidade, pertencimento e as cicatrizes invisíveis que atravessam gerações, revelando como o passado continua a ecoar no presente de formas inesperadas.

Inspirada nas lacunas da biografia de William Shakespeare, Maggie O’Farrell constrói, em “Hamnet”, um romance sensível e arrebatador sobre amor, perda e sobrevivência. No centro da narrativa está Agnes, uma mulher singular, dotada de uma conexão profunda com a natureza e com dons que a tornam quase mística: ela cura com ervas, antevê destinos e caminha pelos campos com um falcão na luva. Sua história de amor com o jovem filho de um luveiro falido de Stratford-upon-Avon, futuro dramaturgo da corte inglesa, é marcada tanto pela paixão quanto pela distância imposta pelo ofício do marido em Londres. Quando a peste bubônica atinge a cidade e ceifa a vida de seu filho Hamnet, o cotidiano da família é devastado pelo luto. O’Farrell dá voz à dor silenciosa que a História deixou de lado, recriando de forma delicada o impacto dessa perda íntima na vida de Shakespeare e no nascimento de sua obra mais celebrada. Um romance que comove, fascina e permanece na memória do leitor.

Nesta coletânea de oito contos inéditos, Haruki Murakami convida o leitor a adentrar um território íntimo e enigmático, onde as fronteiras entre memória, ficção e devaneio são fluidas e provocadoras. Narradas em primeira pessoa por um escritor que parece personificar o próprio Murakami, as histórias transitam entre lembranças desconcertantes, reflexões filosóficas e situações absurdas, sempre permeadas por uma delicada melancolia. Jazz, Beatles, beisebol e até um macaco falante surgem como fios condutores de narrativas que exploram temas universais como o amor, a solidão e o tempo. Com seu estilo inconfundível, ao mesmo tempo minimalista e profundamente poético, Murakami constrói contos onde o real e o surreal coexistem com naturalidade, criando um universo literário que fascina e inquieta. “Primeira pessoa do singular” é um mergulho sensível nas inquietações humanas, reafirmando o autor japonês como um dos grandes nomes da literatura contemporânea.

Considerado o romance mais emblemático de Abdulrazak Gurnah, Paraíso narra a trajetória de Yusuf, um menino de doze anos que, no início do século 20, é entregue por seu pai a um rico comerciante chamado Aziz como pagamento de uma dívida. A partir daí, Yusuf embarca em uma longa caravana pelo interior da África Oriental, numa viagem repleta de perigos: doenças, conflitos e paisagens ao mesmo tempo fascinantes e ameaçadoras. Nesse cenário em transformação, ele testemunha o lento avanço do colonialismo europeu, cujos primeiros impactos começam a corroer um mundo até então regido por tradições locais e relações complexas entre povos e culturas. Com uma prosa delicada e densa, que dialoga com mitos populares e referências religiosas como o Corão, Gurnah constrói um romance histórico de grande profundidade humana. Finalista do Booker Prize e responsável por consolidar a carreira do autor, “Paraíso” revela, com firmeza e compaixão, os efeitos devastadores do colonialismo sobre vidas individuais e coletivas.