Há livros que tropeçam. E há livros que erram o tom com tanta precisão que se tornam quase desconcertantes — não por falta de talento, mas por excesso de confiança. Escritores consagrados, aclamados, amadurecidos, às vezes derrapam. E quando derrapam, o impacto não é banal: é o tipo de decepção que vem com uma dose de vergonha alheia e um silêncio desconfortável entre parágrafos. Porque não é o texto ruim de alguém que ainda está tentando aprender. É a página fraca de quem já escreveu páginas memoráveis.
A literatura, como tudo que é humano, também tem seus dias ruins. E esses dias, quando acontecem em livros assinados por autores admirados, ganham contornos mais nítidos. Porque a régua sobe. Esperamos deles o que não exigimos de ninguém. Um pouco de milagre, um pouco de mistério. Quando não vem — quando sobra linguagem e falta pulso, quando o estilo engole a alma — o arrependimento não é raiva. É cansaço. A frustração nasce menos do fracasso do livro e mais da lembrança do quanto esse mesmo autor já foi necessário, urgente, brilhante.
Algumas obras falham porque tentam demais. Outras, porque não tentam nada. Mas o ponto em comum entre elas é um desequilíbrio sutil: parecem feitas por alguém que esqueceu como é ler com fome, desejar com olhos, sangrar com frase. São livros que, sim, têm mérito. Mas também têm um preço que o leitor atento sente — e paga em desânimo.
Nem toda decepção literária se resolve com uma boa resenha ou com um “talvez não fosse o momento certo”. Às vezes, o livro simplesmente não era bom. E não há mal nenhum em dizer isso — desde que se diga com a delicadeza que todo tropeço merece.

Michael Beard é um físico laureado com o Prêmio Nobel que já perdeu o melhor de si. À deriva num mundo onde a relevância científica não basta para deter o colapso pessoal, ele se arrasta entre relações fracassadas, vaidade intelectual e a promessa grandiosa de salvar o planeta por meio de energia solar. Em um cenário que cruza laboratórios, conferências e casamentos falidos, a narrativa se ancora num protagonista tragicômico — brilhante, porém indolente, e às voltas com dilemas que ele mesmo alimenta. A prosa de McEwan mantém a elegância habitual, mas aqui a ironia toma o centro da construção, transformando drama climático em sátira humana. O romance propõe um cruzamento entre ciência, ética e autossabotagem, mas o tom flutua demais: há momentos em que a leveza beira o raso, e outros em que a crítica perde o alvo. O humor, mordaz nas primeiras páginas, começa a enfraquecer diante da repetição dos vícios de Beard — que, em vez de se aprofundarem, se tornam previsíveis. O resultado é um livro que oscila entre o refinamento estilístico e a superficialidade de seu arco dramático. O tema é vasto; a execução, irregular. O autor, consagrado por obras de tensão íntima e precisão moral, aqui parece disperso, confiando demais na caricatura de seu anti-herói. O que poderia ser um retrato afiado da hipocrisia contemporânea termina como um retrato morno de um homem que se esvazia — sem que isso nos fira.

Rímini e Sofía formaram um casal por mais de uma década. Quando o relacionamento chega ao fim, o que deveria ser libertação se revela o início de um labirinto. Rímini tenta refazer a vida — com outras mulheres, com viagens, com distrações — mas não consegue se livrar da presença simbólica e insistente de Sofía, que retorna como eco, como sombra, como perturbação constante. A narrativa, moldada por uma prosa elegante e ondulante, investiga a memória amorosa não como saudade, mas como maldição. Tudo é excesso: as lembranças, os gestos, a análise sobre os próprios gestos, a análise sobre a análise. O romance se propõe como um mergulho psicológico exaustivo — e exaustivo, de fato, se torna. Pauls domina o estilo e o vocabulário, mas se rende a uma digressão narcísica que compromete o ritmo e a fruição. A densidade do texto não deriva apenas do sofrimento do protagonista, mas da insistência do autor em transformar cada cena numa camada de linguagem excessiva, como se nenhum silêncio fosse permitido. O resultado é uma narrativa espiralada, feita de frases longas, reflexões repetidas e uma sensação constante de deslocamento. Há beleza, sim, e inteligência literária em diversos trechos. Mas o livro se perde na própria arquitetura: é como uma casa bem projetada onde ninguém consegue descansar. Um romance que aspira à grandeza emocional, mas que erra o tom ao sobrecarregar a forma com tanta minúcia que a emoção escoa.

Três irmãos, dispersos entre as desilusões de suas vidas adultas, retornam à casa dos pais no interior dos Estados Unidos para um último Natal antes do colapso familiar. Cada um deles carrega feridas íntimas: um banqueiro envolto em culpa e rigidez, uma professora frustrada em busca de conexão, e um caçula errante tentando escapar da própria nulidade. No centro silencioso dessa espiral, os pais — um patriarca rígido, à beira da demência, e uma mãe passivo-agressiva em sua obstinação por reunir os filhos — funcionam como catalisadores de um mal-estar que remonta à infância. A prosa de Franzen é ágil, estruturada com precisão, e alterna ironia e compaixão em doses desiguais. No entanto, o controle estilístico e o esforço em compor um retrato totalizante da classe média americana acabam minando a organicidade dos personagens. Tudo é simbólico, tudo é comentado — o romance opera como uma vitrine comportamental, mais do que como um mergulho honesto no íntimo. O que poderia ser uma tragédia familiar com potência emocional se transforma, muitas vezes, num exercício de exatidão narrativa que esvazia o afeto. O autor escreve como quem observa de cima, em vez de sentir junto. E embora o livro tenha sido aclamado como o grande romance americano de seu tempo, há nele uma frieza calculada que compromete o vínculo com o leitor. Um romance ambicioso — talvez ambicioso demais para o que tem a oferecer em troca.

Seis vozes se alternam numa longa corrente de monólogos interiores. Elas falam sozinhas, e entre si, sobre infância, amizade, desejo, identidade — sempre filtradas pelo tempo que passa, pela memória que desfoca, pela ausência de um personagem central que nunca fala, mas cuja morte todos sentem. Entre os fluxos individuais, interlúdios descritivos acompanham o nascer e o pôr do sol sobre o mar, criando uma moldura lírica que sugere um ciclo cósmico inevitável. A estrutura é rigorosa, quase ritual: não há diálogo real, nem acontecimentos marcados por ação, mas sim um aprofundamento progressivo das consciências. O estilo é de uma beleza formal quase inegociável — feito de imagens, repetições e ritmo melódico. No entanto, a mesma sofisticação que encanta também afasta. A ausência de conflito dramático tradicional, o apagamento das fronteiras entre as vozes e o esmaecimento deliberado da narrativa tornam a leitura exigente ao ponto do esgotamento. A obra pede um leitor disponível ao mergulho estético, mas não oferece, em troca, o calor de uma história ou a nitidez de um enredo. Mesmo admirada pela crítica e considerada por muitos como o ponto alto da experimentação modernista, deixa uma sensação de desalento para quem espera algum tipo de aproximação afetiva ou prazer narrativo. Há talento em excesso — e emoção rarefeita. Um feito literário, sim, mas de difícil acolhimento.