Em 2025, abrir um livro virou quase um ato de resistência ou de autodefesa emocional. Entre boletos, burnout e boletins do apocalipse climático, as mulheres estão redescobrindo nos livros não só um refúgio, mas uma trincheira com wi-fi e marcador de página. E se antes a gente lia para aprender algo útil, agora o critério principal é: “Isso vai me fazer sentir viva ou só me lembrar do ex?”. Spoiler: estamos escolhendo a primeira opção ou tentando. A boa notícia é que a literatura finalmente entendeu que o feminino não é um subgênero. A má é que ainda tem homem fazendo ranking de “livros que toda mulher deveria ler” como se fosse tutor da turma. Calma, Paulo.
As cinco obras a seguir não foram escritas para agradar ninguém, e talvez por isso agradem tanto. São livros que explodem em clubes de leitura, DMs e postagens com legendas em caps lock, do tipo: “VOCÊ PRECISA LER ISSO”. Algumas dessas histórias falam de mães e filhas, outras de morte, depressão ou velhice, mas nenhuma delas trata esses temas com reverência forçada ou drama de novela das seis. O que há em comum? Uma escrita potente, sem concessões, com personagens femininas que se parecem com gente de verdade, às vezes tão verdadeiras que você até quer mandar mensagem perguntando se estão bem. Spoiler: geralmente não estão.
Então, se você também anda trocando a terapia por um livro (com resultados igualmente instáveis), esta lista é para você. São obras que não prometem soluções, mas entregam espelhos. Livros que podem arrancar gargalhadas nervosas ou te deixar encarando o teto em silêncio, e não só porque você esqueceu de apagar a luz. Em vez de manuais de como ser mulher, são mapas de tudo que a gente já foi, está sendo ou talvez nunca seja. E no fim, mesmo que ninguém entenda o que você está lendo, pelo menos vão comentar: “Nossa, parece profundo”. Você confirma com a cabeça. E continua.

Entre os escombros de uma família disfuncional na Argentina dos anos 1940, uma adolescente com deficiência intelectual narra sua vida com uma franqueza tão crua quanto desconcertante. Criada entre primas violentas, uma mãe perturbada e vizinhos grotescos, ela encontra na linguagem seu único refúgio, mesmo que essa linguagem desafie todas as normas. Escrito com uma gramática deliberadamente “errada”, o texto escancara o absurdo da marginalização e da exclusão. A voz narrativa, fragmentada e visceral, não busca compaixão nem explicações. O que emerge é um retrato feroz da infância e da construção da identidade sob opressão constante. As figuras femininas são monstruosas e vulneráveis, tragicômicas e reais, compondo um cenário de desintegração afetiva e social. No meio do caos, há uma lucidez rara, suja, feia e extraordinariamente humana.

Neste híbrido brilhante de ensaio, autobiografia e crônica, a autora se pergunta: o que é a imaginação? E o que ela tem a ver com os desvarios que chamamos de vida? Ao costurar confissões pessoais com histórias literárias e artísticas, o texto percorre as fronteiras borradas entre loucura e criação, realidade e ficção. Há episódios hilários, como o ciúme irracional por um namorado imaginário, e reflexões cortantes sobre amor, fracasso, envelhecimento e o ofício de escrever. Nada escapa à lente afiada da narradora, que se coloca sempre em primeiro plano — não como heroína, mas como ser contraditório, patético e cômico. A leitura, ao mesmo tempo leve e profunda, convida à identificação sem pedir licença. Um livro sobre escrever, sim — mas sobretudo sobre o que significa ser mulher, inventar mundos e, no meio disso tudo, ainda tentar pagar o aluguel.

Enquanto dita cartas para clientes que não sabem ou não querem escrever, uma datilógrafa começa a narrar, em silêncio, sua própria história. Numa Itália ainda sufocada pelos escombros do fascismo e pelos grilhões do patriarcado, essa mulher sem nome se torna um espelho rachado de muitas outras. Entre as linhas impessoais que redige, emerge o conflito entre submissão e desejo, convenção e autonomia. A escrita confessional que se desenrola é densa, hipnótica e dolorosamente lúcida. Mais do que contar fatos, ela escava sentimentos silenciados, pequenas violências cotidianas, pressões invisíveis. A protagonista não busca redenção, apenas uma linguagem que a contenha. E ao encontrar sua própria voz — fragmentada, impura, íntima —, ela desafia o mundo que sempre lhe pediu para calar. Um romance que fala baixo, mas reverbera fundo.

A descoberta de cartas antigas entre mãe e filha desencadeia um mergulho vertiginoso nas memórias familiares, onde o afeto e a ausência se entrelaçam como fios de um novelo impossível de desembaraçar. Uma mulher retorna à casa da infância, agora vazia, e ali reencontra tanto os vestígios do que foi quanto os silêncios do que nunca pôde ser dito. As lembranças ganham contornos sensoriais, como cheiros de bolo ou sons de vitrola, mas nunca se tornam confortáveis. Pelo contrário: nelas habita a tensão entre o passado idealizado e a realidade emocionalmente complexa. A narrativa é fragmentária, como se a protagonista tentasse, sem sucesso, remontar um quebra-cabeça que sempre teve peças faltando. Em meio a esse luto íntimo, ressurge também a ideia de cuidado — não como heroísmo, mas como insistência. Amor, aqui, é verbo de resistência.

Entre o luto e o tupperware, uma jovem encontra consolo insuspeito na cozinha de estranhos — e é lá, entre o cheiro do arroz e o som das panelas, que começa a reconstruir sua vida. Após perder a avó, ela se muda para a casa de um amigo e da mãe dele, uma mulher trans cheia de ternura e complexidades. A convivência entre eles se desenrola com uma delicadeza crua, em que os silêncios são tão eloquentes quanto os gestos. Não há grandes epifanias, apenas pequenas tentativas de seguir vivendo apesar da dor. A prosa é simples e encantadoramente melancólica, cheia de passagens que parecem sussurrar verdades. Ao lado de uma segunda história — mais sombria e igualmente íntima —, a obra constrói um universo de perdas que não paralisam, e sim transformam. Como um chá quente numa madrugada de inverno, oferece conforto sem prometer cura.