Não se preocupe, querida. Esse não sou eu. Eu ando por aí. Surfando nos Estados Unidos. Diversão, diversão, diversão. Estou recebendo boas vibrações. Só Deus sabe o que seria de mim sem você. Não fale, ponha a sua cabeça no meu ombro. Me beije, querida.
A tristeza e a melancolia são sentimentos legítimos que nos afetam sempre que celebridades do mundo artístico, as quais admiramos, desaparecem. Brian Wilson, fundador e líder da banda norte americana “The Beach Boys”, morreu aos 82. Ao saber da fatídica notícia, a memória afetiva me catapultou direto ao jovem Brian Wilson dos anos 1960, época em que os Garotos da Praia experimentavam a fama e o estrelato.
Sou um homem de fases, um ser eternamente aquém de seu tempo. Ou seja, em termos musicais, estou sempre no prejuízo, correndo atrás, atrasado ao fazer imersões nas obras musicais de artistas brasileiros e estrangeiros. Foi assim com os “Beach Boys” que, até bem pouco tempo, eu só conhecia por causa do hit “Surfin’ USA”. Vi, ouvi e descobri a essência da banda californiana que fora liderada pelo talentoso músico, cantor e compositor Brian Wilson. Fiquei particularmente encantado ao assistir aos vídeos mais antigos dos “Beach Boys” — “rivais” dos Beatles nos EUA — performando canções que até hoje permanecem no imaginário dos fãs de rock, em especial, gente veterana como eu, sempre disposta a entrar num acordo unilateral com Deus para voltar no tempo. Não seria legal se fossemos mais jovens?
Não. Não seria legal. Dentre tantas contradições, reside aí o contrassenso dos neurastênicos. Um misto de impetuosidade e de imaturidade contrastada com vivência e desencanto. A combinação perfeita — da qual fomos, somos e seremos privados, por questões óbvias — seria possuir o corpinho de vinte com a sapiência de cinquenta. Algo impossível até mesmo àqueles que recorrem aos métodos de demonização facial propiciados pelos argutos profissionais da medicina estética de ponta, se é que se possa chamar aquilo de medicina. Não custa, contudo, nos iludirmos de que, hoje — vividos, pelados e acomodados — somos indivíduos melhores do que aqueles que fomos quando jovens: seres intrépidos, sonhadores, idealistas, criativos e, acima de tudo, criaturas física e sexualmente mais vigorosos. Não seria legal manter a “pegada sexual” aos sessenta?
Sim. Seria muito legal. Só que não é um projeto plausível, a despeito da abundância de ovos de pata, catuaba, pílulas azuis, botox e dos revolucionários métodos disponíveis de aumento peniano. Deus não quer. Deus não está nem aí para a impotência sexual dos seus filhos. Muito menos, a artrose. A artrose não perdoa; Deus, às vezes. Paciência. Vida que segue. Vida que segue como um trem descarrilado rumo ao ocaso. Nada a reclamar sobre mortes e ocasos. A não ser, o desagradável fato de permanecermos vivos, cínicos e ignorantes — ignorantes no sentido literal de nada sabermos, a não ser que o filósofo Sócrates não se tornou popular nos bares e nas escolas, e que os nossos ídolos que não morreram de overdose estão sucumbindo de velhice pura e simples.
Brian Wilson, o gênio inventivo dos “Beach Boys”, além de combalido fisicamente pelo envelhecimento, foi acometido pela demência. Não sei quanto a vocês, mas, considero a demência senil uma das piores anedotas do Criador, ao desconectar a mente do moribundo do restante do universo. Pior do que câncer. Pior do que se entrevar. Pior do que a morte por afogamento num oceano de mágoas. Aliás, a mágoa foi um sentimento recorrente na vida de Brian Wilson, que experimentou a fama, no entanto, preferia ficar recluso em casa a excursionar com os companheiros de banda. Brian tinha aversão aos grandes públicos e ao pai, com quem sempre tivera um relacionamento conturbado, por causa da figura tóxica, severa e autoritária do progenitor. A despeito do sucesso estrondoso dos “Beach Boys”, Brian, assim como a maior parte dos gênios incompreendidos, sofreu assédio de seus demônios interiores, acabando imerso no uso descontrolado de drogas ilícitas que, certamente, contribuíram para a deterioração gradativa da sua saúde físico-mental.
Alto lá. O momento agora é de alegria e de gratidão. Sinto “Good Vibrations”. A tristeza não combina em nada com o espírito jovial e irreverente dos “Beach Boys”, uma banda que aprendi a admirar, ainda que tardiamente. A canção que mais gosto é “God only knows”. Por sinal, é também a preferida de Paul “The Boss” McCartney, fã declarado de Brian Wilson. Comovido ao extremo com outra inestimável perda para a boa música que se produz no planeta, compilei uma lista com 10 canções essenciais dos “Beach Boys”, todas tendo Brian Wilson como compositor. A pretensão é que esse rol de pérolas musicais sirva, não apenas aos iniciados em rock and roll, como aos veteranos como eu, que gostam de viajar na maionese e no tempo, sob a anuência desconfiada e paciente de Deus, rumo ao frescor longínquo de uma juventude regada a sol, praia, surfe, sexo, romance, irreverência e criatividade. É uma boa lista. Ouçam e se divirtam. Viva a boa música. Viva Brian Wilson.
*Todas as frases que compõem o primeiro parágrafo desta crônica são títulos de canções compostas por Brian Wilson.